Número de pessoas em greve no USA quase triplicou em 2022 se comparado ao ano anterior. Foto: Meg McLaughlin/QCTimes
No primeiro semestre de 2022 o número de pessoas envolvidas em greves e preparações para greves no Estados Unidos (USA) mais que dobrou se comparado a todo o ano de 2021. Novos sindicatos e mobilizações trabalhistas surgiram por todo o país, exigindo melhores condições de vida e melhores salários. A aprovação da população norte-americana em relação a sindicatos atingiu a maior taxa desde 1965: 71% dos norte-americanos são favoráveis à organização sindical de trabalhadores.
Isto ocorre em meio à recessão da economia ianque, sintoma da crise geral de superprodução sem precedentes do sistema imperialista mundial. Somente nos USA, a inflação alcançou o maior patamar em 40 anos. E isto leva ao aumento da organização dos trabalhadores norte-americanos para lutar pelos seus direitos.
180 greves em 6 meses: povo norte-americano não aguenta mais pagar pela crise
Durante todo o ano de 2021, 102 greves ocorreram no USA, envolvendo 26,5 mil pessoas. Entre os meses janeiro e junho de 2022, o número de pessoas quase triplicou: foram de 180 greves que envolveram 78 mil pessoas. Os dados são de um levantamento da Universidade de Cornell publicado pela revista Insider. A maioria delas ocorreu no setor de serviços, mas enfermeiros, lenhadores e professores também tomaram parte nas mobilizações. Os trabalhadores da empresa monopolista Starbucks realizaram mais de 80 greves neste ano (que ainda não se encerrou). Trabalhadores da varejista monopolista Trader’s Joe também realizaram greves, bem como trabalhadores da Apple, Chipotle, Google, Verizon, REI e Amazon.
Nas últimas semanas, em torno de 15 mil enfermeiras entraram em greve em um hospital em Minnesota exigindo melhores salários e novas contratações. Em Oregon e Washington, 1,1 mil lenhadores da empresa monopolista de lenha Weyerhaeuser também entraram em greve exigindo melhores condições de trabalho. Com pautas muito similares, alterando-se somente as particularidades de cada trabalho, também declararam ou aprovaram greves 700 enfermeiras domésticas da Pennsylvania, 4,5 mil trabalhadores da educação de Columbus, Ohio, 6 mil professores de Seattle, 2 mil trabalhadores da saúde mental em Califórnia, 6,3 mil trabalhadores da saúde de Nova York e 300 trabalhadores da Sysco em Boston.
Por meio dessas ações, os trabalhadores deixam claro que não pagarão pela crise que atualmente assola o USA e piora constantemente a vida das massas do país. Atualmente, 3,8 milhões de norte-americanos acreditam que podem ser desalojados de suas casas, 20 milhões de residentes no país estão atrasados em suas contas de luz e o número de empréstimos requisitados para compras do dia-a-dia, como comida, aumentam cada vez mais. Enquanto isso, metade das empresas do país planejam demitir funcionários nos próximos meses. Ao mesmo tempo, a exploração trabalhista é tanta que milhares de trabalhadores têm se demitido desde 2021, com queixas de baixos salários, alta exploração, altos custos de vida, políticas de trabalho remoto inflexíveis e faltas de benefícios.
Isso quando a inflação atinge 8,3%, o crescimento previsto para o país é cada vez menor (a previsão do crescimento do PIB para 2022 caiu de 1,7% para 0,2%, segundo o FED) e a taxa real de desemprego no Estados Unidos está atualmente superior a 24%, segundo análises de Walter Williams, economista que administra o site de análises estatísticas Shadowstats.
Organização inédita de trabalhadores contra desmobilização movida pela burguesia monopolista
Em meio ao aumento da organização sindical no USA, se destaca a organização de sindicatos em setores cujas entidades e associações até então não existiam. É o caso da criação do primeiro sindicato de trabalhadores da monopolista Amazon no país. Ele foi criado em abril de 2022, organizando os trabalhadores de um depósito da empresa em Nova York. Logo após a criação, pedidos para criação de organizações similares em outros locais de trabalho começaram a chegar no sindicato.
Os trabalhadores da Amazon já haviam tentado organizar um sindicato no ano de 2021, em Bessemer. Naquela ocasião, a Amazon foi denunciada pelos trabalhadores por constranger os funcionários para que votassem contra a criação de seu próprio sindicato – um caso clássico de assédio. O mesmo aconteceu em abril de 2022 em Alabama, onde os trabalhadores da Amazon submeteram objeções ao Conselho Nacional de Relações Trabalhistas para denunciar que a empresa estava “criando um ambiente de confusão, coerção e/ou medo de reprimendas”. Denúncias como esta são generalizadas na superpotência imperialista, que é usada por reacionários de todo o mundo como um exemplo a ser seguido para alcançar o “desenvolvimento econômico”, por vigorar uma legislação trabalhista frouxa, isto é, pró-burguesia monopolista e anti-trabalhador.
A exportação de capital ianque e a desorganização do movimento operário
Esse novo cenário da organização trabalhista no USA altera uma desorganização que impera no movimento operário norte-americano há aproximadamente 40 anos. Na década de 1950, um a cada três operários urbanos estavam sindicalizados no USA. Nas décadas seguintes, e principalmente a partir da década de 1980 e 1990, a organização sindical dos trabalhadores sofreu uma forte desorganização, fomentada pela propaganda ideológica anticomunista e pela transferência de plantas industriais e serviços da burguesia imperialista ianque para os países oprimidos.
Foi na década de 1980 que o USA intensificou a transferência de plantas industriais para os países oprimidos e a terceirização de serviços. A produção de determinadas peças e operações foram exportadas para países como México, Índia e China e diversos dos serviços de empresas dentro e fora do país foram terceirizados. Esse aumento da transferência de plantas e industriais e serviços foi seguido por medidas que desregulamentaram diversas empresas e indústrias no país, que passaram a não contar com sindicatos. Essas indústrias nas quais os trabalhadores não tinham sindicato organizado passaram a ganhar espaço no mercado pelos custos mais baratos de produção, resultado da exploração maior dos trabalhadores.
Como resposta das empresas monopolistas já estabelecidas há mais tempo, foram desenvolvidas práticas legais e ilegais para se livrar dos sindicatos existentes e impedir a criação de novos. Ameaças de demissão, reuniões mandatórias com os trabalhadores nas quais os sindicalistas eram indiretamente ameaçados e a contratação de substitutos permanentes para os grevistas, que hoje são comuns nas empresas monopolistas ianques, tiveram origem neste período.
Nesse mesmo período, o ultrarreacionário Ronald Reagan, então presidente do USA, deu carta branca para reprimir sindicalistas ao demitir publicamente 11.345 controladores de tráfego aéreo que empreendiam uma combativa greve por melhores condições de trabalho. Os trabalhadores haviam recusado a ordem da Suprema Corte do USA de retornar ao trabalho, mesmo com as multas de milhares de dólares que foram ordenadas contra os líderes sindicais.
Greve de controladores aéreos no ano de 1981 mobilizou milhares de trabalhadores. Foto: George State University Library Patco Archives
Como resultado das políticas do Estado ianque e da transferência de plantas industriais da burguesia imperialista para os países oprimidos, o número de greves no USA caiu bruscamente. Em 1970, os trabalhadores do USA realizaram 380 grandes greves ou piquetes. Em 1980, o número foi de 200; em 1999, caiu para 17, e em 2010 o número foi de grandes greves ou piquetes foi de somente 10.
Durante todo esse período, a situação dos trabalhadores piorou e a concentração de renda nas mãos da burguesia aumentou de maneira exponencial. O salário no USA está estagnado há aproximadamente 40 anos. Em 1970, o CEO de uma empresa ganhava 23 vezes mais que seus funcionários; hoje, essa proporção subiu para 351 para 1. Soma-se a isso a crise geral sem precedentes do imperialismo que agora assola o USA.
É sobre este terreno de graves ataques aos direitos dos trabalhadores que os trabalhadores do USA voltam a se organizar em escalas cada vez maiores, organizando sindicatos em setores inéditos, construindo greves num grau crescente de mobilização e conquistando importantes vitórias