Foto principal: Mais de cem mil ferroviários concordaram com greve em dezembro, mas foram forçados pelo presidente do USA, Câmara e Senado a aceitarem acordo patronal. Foto: Scott Olson/Getty Images
Centenas de milhares de ferroviários do Estados Unidos (USA) anunciaram, no final de novembro, uma greve para o dia 9 de dezembro. A mobilização exige melhores condições de trabalho, como aumentos salariais e o direito à licença médica. Em meio à preparação da greve, após os trabalhadores terem negado os acordos propostos pelas empresas imperialistas do setor ferroviário ianque, a Câmara dos Representantes e o Senado do USA, a mando do reacionário presidente do país, Joseph Biden, intervieram na negociação e forçaram os operários a aceitarem os contratos propostos pela burguesia.
Desde o mês de setembro, os ferroviários estadunidenses planejam uma greve contra as miseráveis condições de trabalho impostas a eles pela exploração capitalista. Durante o mês de novembro, mais de 100 mil ferroviários concordaram em realizar uma greve nacional pela conquista de direitos básicos e melhores condições de trabalho. Dentre essas exigências estavam o aumento salarial, férias remuneradas, mais dias de folga remunerados e, principalmente, o direito à licença médica.
Atualmente, além de não contarem com férias remuneradas nem com direito à licença por razões de saúde, os operários do setor ferroviário são submetidos a um regime de trabalho que mede o nível de presença dos trabalhadores por um sistema de pontos. Nele, os operários têm um total de 30 pontos, os quais vão caindo conforme eles faltam ao trabalho. Um dia de falta retira vários pontos de um operário. Se o dia for tido como um “dia de alto impacto”, como um feriado, a quantidade de pontos é ainda maior. No caso do sistema de pontos zerar, o trabalhador recebe uma “suspensão”. Na segunda vez em que é zerado, o trabalhador é demitido. No sistema, a recuperação de pontos é quase impossível, uma vez que depende de uma quantidade determinada de dias ininterruptos de trabalho. Um operário consegue recuperar míseros quatro pontos após 14 dias de trabalho consecutivos.
Além do reacionário sistema de pontos, os ferroviários estadunidenses denunciam exaustivas jornadas de trabalho impostas pelas empresas imperialistas, que ultrapassam as já absurdas 12 horas permitidas pela legislação reacionária ianque, chegando até 14 horas ou mais. Após o trabalho, muitos deles ainda precisam enfrentar mais algumas horas de traslado até chegarem aos hotéis, se estiverem distantes de casa. Ademais, os operários trabalham em um regime de “sempre na chamada” (always on the call, em inglês). Nesse regime, os trabalhadores podem ser contatados a qualquer momento para se apresentarem ao trabalho. Em algumas ocasiões, só possuem uma hora para chegar no local de trabalho após a chamada, sendo considerado falta se o tempo for ultrapassado. Segundo os operários, além da alta taxa de demissões, o índice de mortes nas empresas têm aumentado muito recentemente, fato que possivelmente está vinculado às jornadas exaustivas de trabalho e à falta de direito para realizar consultas médicas e descansar.
Enquanto isso, a burguesia imperialista do setor ferroviário atingiu lucros recordes nos anos de 2021 e 2022. Em 2021, os lucros da indústria ferroviária atingiram 20 bilhões de dólares (em torno de R$ 105 bilhões). Destes 20 bilhões de dólares, 18 bilhões foram usados pelos burgueses imperialistas para recomprar suas próprias ações e pagar os dividendos aos acionistas. Segundo um operário, somente 2% desse dinheiro utilizado na recompra de ações seria o suficiente para pagar as licenças médicas exigidas pelos trabalhadores.
Cansados da falta de direitos básicos de trabalho e da imposição de reacionários sistemas de comparecimento, centenas de milhares de ferroviários de todo o USA concordaram com a greve nacional. Antes mesmo da greve ocorrer, contudo, os burgueses imperialistas ianques, aterrorizados pelas perspectivas de uma mobilização nacional dos trabalhadores em meio à crise sem precedentes do imperialismo, passaram a propor acordos e negociações com os trabalhadores. Nenhum deles incluía as principais reivindicações dos operários: o direito à folga remunerada e à licença médica. Por isso, a maioria dos trabalhadores votou por não aceitar os acordos e manter a greve do dia 09/12.
Congresso, Senado e presidente ianques forçaram trabalhadores a aceitar “acordo” patronal
A decisão combativa dos mais de 100 mil ferroviários pela manutenção da greve apavorou ainda mais a burguesia imperialista. As linhas férreas são um dos setores estratégicos da economia ianque. É por meio dos trens que 80% dos produtos agrícolas são transportados, além de diversas mercadorias e produtos essenciais para o funcionamento de serviços no país, como os produtos químicos utilizados no tratamento da água. As empresas afetadas pela greve são responsáveis por transportar 40% do frete do país, incluindo 75% dos carros novos e 70% do carvão. A justa paralisação nacional desses operários em luta pelos seus direitos mais básicos de trabalho poderia causar uma redução nos lucros de até R$ 2 bilhões ao mês para a burguesia imperialista.
O desespero da burguesia frente à poderosa mobilização foi tanto que o Estado imperialista ianque interveio diretamente na disputa. No dia 01/12, políticos das duas maiores máfias do Estados Unidos, o Partido Republicano e o Partido Democrata, aprovaram uma lei na Câmara dos Representantes que forçou um acordo patronal entre os operários e as empresas imperialistas. Uma vez aprovado na Câmara, o projeto passou ao Senado, onde foi aprovado por uma maioria esmagadora de 85 senadores contra 15. Na ocasião, o presidente reacionário Biden, que aprovou o projeto após a votação do Senado, felicitou a Câmara pela rapidez em tramitar o processo e exigiu que os senadores “agissem com urgência”.
O acordo, que já havia sido proposto aos operários em setembro, quando foi então negado pela maioria dos ferroviários, envolve um aumento salarial de 24%, a ser aplicado ao longo de cinco anos, e bônus salariais, mas deixa intocado o sistema de pontos por comparecimento. Além disto, não aumenta a quantidade de dias de folga remunerados e não garante nenhum dia de folga remunerada por motivo de doença. Assim, enquanto transfere uma pequeníssima parcela dos lucros monstruosos da burguesia para o aumento salarial dos operários, sem garantia de que eles serão de fato aplicados nos próximos cinco anos, o acordo deixa inalterada a principal fonte dos lucros da burguesia imperialista do setor ferroviário ianque: a extração de mais-valia absoluta através da superexploração dos operários, imposta por meio de longas jornadas de trabalho e falta de direitos básicos.
Em uma tentativa de não se desmoralizar com os ferroviários, o reacionário Joseph Biden, que ao longo de sua carreira política manteve discursos oportunistas em relação aos sindicatos, cultivando relações com a aristocracia operária e chegando a ganhar a alcunha infame de “Joe dos Sindicatos” (Union Joe, em inglês), afirmou dissimuladamente que se esforçará para garantir a folga remunerada por motivos de doença. Nada disse, contudo, sobre as outras ausências de direitos e exploração brutal dos operários.
Os trabalhadores, por sua vez, acusam Biden de traidor e afirmam que sua postura na recente negociação irá dificultar qualquer outra negociação ou acordo futuros. Longe de se enganar frente às falsas promessas, os operários estadunidenses seguem firmes em sua decisão na luta contra a retirada de todo e qualquer direito, fruto do processo de reacionarização do Estado imperialista ianque, e contra a constante piora na qualidade de vida, deixando claro que não pagarão o preço da crise imperialista.