Alberto César Araújo
No dia 3 de dezembro, cerca de 1,2 mil indígenas de mais de 70 povos, organizados em 14 organizações indígenas, realizaram, em Manaus, a V Marcha dos Povos Indígenas do Amazonas. Estiveram presentes também estudantes e trabalhadores não indígenas de diversos setores, além de movimentos populares.
O ato iniciou-se por volta das 14h na praça da Saudade, um local que, segundo vários povos, já foi um dos maiores cemitérios indígenas, mas o velho Estado acabou transformando-o em uma praça onde atualmente não há qualquer homenagem aos guerreiros e guerreiras ali enterrados. Por volta das 15h, o ato saiu em caminhada pelas avenidas Epaminondas, 7 de Setembro e Eduardo Ribeiro, até a praça do Congresso, no Centro de Manaus.
Durante todo o ato, indígenas e não indígenas entoaram palavras de ordem contra o governo de Bolsonaro – tutelado pelo Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) -, pela demarcação das terras indígenas e pelo fim do genocídio dos povos em todo o Brasil. Além disso, os indígenas seguravam faixas e cartazes contra os grandes projetos na Amazônia, que vão desde hidrelétricas e mineração, até plantio de soja pelo latifúndio, entre outros.
“O movimento indígena que hoje tá acontecendo é pela educação e saúde e, como eu atuo pela saúde, é um benefício que o governo tá tirando, desmontando, mas nós como indígenas lutamos e defendemos os nossos direitos que foram garantidos na própria constituição”, afirmou um agente indígena de saúde na comunidade Catibiri, localizada em Manacapuru (AM).
“O que existe são oportunistas que têm falado em nome do movimento indígena e nós não legitimamos isso. Aqui está representada a base. A lei é muito clara: a autoidentificação não dá legitimidade para qualquer um. Para isso, em cada aldeia existe o seu líder, em cada município a organização e em cada calha de rio, a federação”, afirmou a liderança Zenilton Mura, da Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Coipam), sobre supostas lideranças que têm feito acordos e encontros com o governo federal reacionário.
“As políticas direcionadas aos povos indígenas é de total violação contra nossa vida, nosso território, nossa educação e nossa saúde. Todas essas políticas nos afetam de forma tão agressiva, tão cruel, não somente os indígenas, mas também os professores e a educação desse país, que têm sofrido esse enfraquecimento com o congelamento de recursos que inviabiliza o desenvolvimento de uma educação de qualidade. Não podemos aceitar isso enquanto cidadãos que defendemos o direito de viver em um país que ainda é democrático, mas com políticas extremamente cruéis como se fosse uma ditadura. Os indígenas lutam 519 anos para se manterem vivos nesse país e viemos aqui dizer não a todos os ataques deste governo! Não à mineração em nossos territórios! Não a morte dos nossos parentes, esse ano já são quase 200 mortes computadas!”, exclamou a liderança do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), Vanderlessa Ortega, do povo Witoto, oriundo do Alto Solimões, no Amazonas.
O trabalhador cubano e vendedor ambulante Rui Garcia denunciou que os povos indígenas sofrem com a negligencia do velho Estado. “Sou cubano, não tenho trabalho no Amazonas e sofro o mesmo que o povo indígena. Quero e amo muito o povo indígena que está sofrendo e não pode trabalhar”, solidarizou-se.
O diretor do Museu da Amazônia e Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, destacou que direitos básicos estão sendo retirados e, além disso, os vários assassinatos de trabalhadores e lideranças indígenas apontam que a situação irá agravar ainda mais
“Essa luta é muito importante nesse momento em que o governo Bolsonaro está agredindo e retirando todas as conquistas dos últimos 30 anos. Estão sendo questionados os direitos mais elementares não apenas dos povos indígenas, mas dos jovens, negros, trabalhadores, dos pobres, pequenos agricultores, isso é muito grave. Observamos sucessivos assassinatos de lideranças indígenas, de movimentos sindicais e isto nos mostra que nos próximos anos a situação irá agravar, mas devemos nos preparar”, afirmou Candotti.
UMA POLÍTICA DE ESTADO
O Amazonas atualmente é o estado com a maior quantidade de povos indígenas do Brasil e alguns destes até hoje não entraram em contato com não indígenas. Apesar disso, os conflitos com o latifúndio, que se expande ao interior do estado, têm crescido ultimamente.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 180 mil indígenas – de 30 etnias e que falam aproximadamente 20 línguas – vivem no Amazonas. Apesar de cerca de 30% do total do seu território já estar demarcado, o governo e o estado do Amazonas negligenciam as necessidades dos povos indígenas para favorecer as demandas do imperialismo e do latifúndio.
Todo esse contexto é causado pelas condições de semicolonialidade vigentes no Brasil, que estão baseadas em uma tríade mortal aos povos indígenas: grandes monopólios locais, latifúndio e o imperialismo. Graças à dominação dessas classes, representadas pelos sucessivos governos, não ocorrem as demarcações das terras indígenas, enquanto são impulsionados o agronegócio, as mineradoras, a construção de hidrelétricas e linhas de transmissão de energia elétrica para favorecer os monopólios locais; construção de rodovias e ONGs ligadas ao imperialismo.