Contra o latifúndio, a criminalização e o oportunismo: Avançar as retomadas!

Contra o latifúndio, a criminalização e o oportunismo: Avançar as retomadas!

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Reproduzimos nota do Comitê de Apoio a Luta dos Povos Indígenas (CALPI) sobre a situação dos Guarani-Kaiowá, a Retomada Laranjeira Nhanderu e o recente Conselho Aty Guasu realizado no Mato Grosso do Sul


No dia 3 de março, os indígenas Guarani-Kaiowá retomaram mais uma parte da sua aldeia Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, a 80km de Dourados, a segunda maior cidade do Mato Grosso do Sul. Diante desse avanço, os latifundiários locais – via governador Eduardo Riedel (PSDB) – acionaram a Polícia Militar, que feriu, pelo menos, dois indígenas com balas de borracha e deteve três lideranças. Isso não parou os Guarani-Kaiowá; ao contrário, como resposta, convocaram outras lideranças para avançarem na luta. Foi o que aconteceu na passagem do dia 07/03 para o dia 08/03, quando eles, até então nas margens das plantações de sojas já colhidas, tomaram a sede da fazenda do Inho, de propriedade de José Raul das Neves Júnior, o “Raulzinho”, dirigente municipal do PT daquela cidade. Diante disso, os indígenas foram fustigados por drones, jagunços rodearam a propriedade e pessoas em caminhonetes na rodovia tentaram intimidá-los de várias maneiras. 

Essa retomada Guarani-Kaiowá é expressão do avanço da luta popular e combativa no campo, já visto nas várias tomadas de terras camponesas (no Pontal do Paranapanema, em SP, e nos estados da Bahia e Rondônia) e indígenas (em Jopara, Guapo’y e Kurupi) do ano passado e do começo desse. Isso desperta um claro medo nas classes dominantes deste Estado burocrático-latifundiário, o que ficou totalmente escancarado no dia 09/03 durante sessão da Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul. Nela, o deputado reacionário Pedro Pedrossian Neto (PSD) – representante das históricas oligarquias latifundiárias sul-mato-grossenses – e o oportunista Zeca do PT – latifundiário em Dois Irmãos do Buriti e Porto Murtinho e filiado ao sindicato rural – manifestaram todo ódio das classes dominantes perante o inevitável levante das massas.

Pedrossian Neto começa sua fala se dizendo preocupado com uma movimentação no estado e no país que ameaça o “modelo de sucesso” do MS de “prosperidade e geração de empregos e riqueza na cidade e, principalmente, no campo”. Diz ele que são ameaças para a “paz social” do estado a retomada indígena e as recentes ocupações de terra promovidas pela Frente Nacional de Lutas (FNL) durante o “Carnaval Vermelho”, que no estado atingiu a cidade de Japorã – onde, inclusive, houve um ataque coordenado do latifúndio e de paramilitares da extrema-direita bolsonarista, algo que o deputado evidentemente não mencionou. Vale ressaltar que decorrente desta luta estão presos Zé Rainha e mais duas lideranças da FNL, como tentativa de paralisar as ocupações de terras.

Ora, a que modelo e a que paz se refere o deputado que, em outro momento, disse desejar continuar o legado e histórico do avô? O falecido Pedro Pedrossian foi governador do Mato Grosso uno entre 1966 e 1971 e depois o segundo governador do MS entre 1980 e 1983, nomeado pelo general João Figueiredo, sendo que Ernesto Geisel tinha sugerido que ele fosse o primeiro governador do recém-criado estado em 1977. Logo, pode-se deduzir apenas que a proclamada paz seja a paz de cemitério, a mesma do genocídio contra os indígenas reveladas pelo Relatório Figueiredo (1967) e o mesmo que matou Marçal de Souza há quase exatos 40 anos.

Já o “nobre deputado” Zeca do PT, como o chamou Pedrossian Neto, convidou o dono da fazenda para conversar com eles. Depois de saudar a fala do deputado do PSD, disse que o “companheiro, amigo Raul” estava sendo submetido a uma “barbaridade”. Zeca chamou a retomada de “vergonha” e, falsificando a realidade, disse que “não tem nenhum estudo antropológico” que ateste a posse dos Guarani-Kaiowá. Enfatizou que, “como deputado do PT”, não defenderia quem “ocupa e invade propriedades produtivas, gerando uma insegurança jurídica”, mesmo termo usado por Pedrossian e balbuciado pelos liberais de todas as estirpes. Por fim, afirmou que foi a Brasília conversar com o presidente e conclui que “Lula [está] preocupado com isso, tem manifestado [que] não concorda com isso. Quer fazer assentamento, mas comprando propriedade e não ocupando”.

Para alguns, o posicionamento de Zeca pode parecer uma surpresa. Porém seu oportunismo não é novidade: ele já manifestara semelhante posição há quase 20 anos – em 2004 – quando era governador do estado. À época, declarou que a então Fundação Nacional do Índio (hoje Fundação Nacional dos Povos Indígenas; Funai) estava incentivando retomadas em Japorã, trazendo indígenas de outro estado e do Paraguai “para engrossar esse conflito”. Vê-se que Zeca acredita que os Guarani-Kaiowá são manipulados por forças externas e não consegue enxergar as condições objetivas próprias da vida que empurram esse povo para lutar. Não enxerga ou, melhor, se alia aqueles que são o motivo deles lutarem: os latifundiários. Destacamos que o mesmo, quando governador do estado, se negou a entregar cestas básicas para indígenas que estavam em retomada, como forma de “punição”. Também, quando do massacre de Caarapó, em 2016, foi com outros oportunistas chorar suas lágrimas de crocodilo sob o féretro do guerreiro Clodiodi, enquanto os governos petistas, a nível estadual e federal, sempre favoreceram o latifúndio quando das famigeradas reintegrações de posse.

Buscado por reportagens, o latifundiário e oportunista Zeca do PT reafirmou sua posição: “Aos que me atacam por minha posição em defesa da legalidade, saibam que essa também é a posição do governo Lula […] Tanto eu quanto o governo Lula estamos 100% comprometidos com a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas. Porém, não será com ocupações ou invasões que vamos contribuir com esse processo”, disse em seu Instagram (negrito nosso).

Suas falas, embora repletas de mentiras e absurdos, serve para os Guarani-Kaiowá e seus apoiadores reafirmarem uma máxima conhecida da luta de classes: nenhum governo demarcou nem demarcará as terras indígenas, nem entregou de “mãos beijadas” qualquer mínimo direito. Afinal, verdade seja dita: Zeca tem razão quando diz que Lula não concorda com a luta combativa de indígenas e camponeses. Pois para se manter no seu governo de conciliação deverá manter-se firmemente ao lado dos latifundiários sem se chocar minimamente com seus interesses. Exemplo disso é o próprio Mato Grosso do Sul, onde o PT apoiou Eduardo Riedel ao governo (chamado pelos indígenas de “Eduardo Hitler”). Será que não sabiam do histórico deste facínora no famigerado “Leilão da Resistência” em 2013, que armou os latifundiários contra as retomadas indígenas e criminalizou os companheiros do Conselho Indigenista Missionário?

Agora, como parte da cruzada anti-retomada encabeçada por Riedel/Zeca, lideranças do Conselho Aty Guasu são criminalizadas, perseguidas de diversas maneiras, inclusive sendo intimadas a depor na Polícia Federal. Também são alvo de investidas os apoiadores desta justa luta. Nós do Comitê de Apoio a Luta dos Povos Indígenas condenamos toda e qualquer tentativa de criminalização da luta popular, em particular a grandiosa resistência dos Guarani-Kaiowá contra o roubo histórico de suas terras tradicionais! Lutar não é crime! 

E como parte que são do velho Estado burocrático-latifundiário, condenamos o oportunismo eleitoreiro, que busca corporativizar esta luta (chegaram tarde!). Somente a persistência no caminho das retomadas como luta legítima pela Autodemarcação dos territórios garantirá o respeito aos direitos originários dos povos indígenas. É isso que a história prova! O que fará o atual governo federal? Acatará a demanda dos indígenas e camponeses, correndo risco de perder a relação com seus “companheiros e amigos” do agronegócio? O Sr. Zeca do PT já nos fez o favor de deixar claro que não. A energia represada de séculos do bravo povo Guarani-Kaiowá não será contida por ninguém!

Avançar as Retomadas! Viva a Autodemarcação das terras indígenas!

Todo apoio ao Conselho Aty Guasu e ao tekoha Laranjeira Nhanderu!

Comitê de Apoio a Luta dos Povos Indígenas

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