Luta armada na Irlanda segue pujante

Reportagem de AND oferece panorama sobre os últimos anos da luta armada no país europeu.

Luta armada na Irlanda segue pujante

Reportagem de AND oferece panorama sobre os últimos anos da luta armada no país europeu.
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No final de fevereiro, a ação dos combatentes do Exército Republicano Irlandês (IRA), que alvejaram com tiros de arma de fogo um detetive inspetor-chefe do Serviço Policial da Irlanda do Norte (PSNI), deu mostra de que a luta armada na colônia britânica não cessou. A ação republicana ocorreu menos de dois meses após um pronunciamento do IRA no qual a organização indicava que conduziria  uma intensificação da luta armada contra a coroa britânica e seus agentes na Irlanda. O ataque ao detetive, que se encontra em estado crítico no hospital, e o insucesso da investigação policial, que não foi capaz de prender nenhum envolvido, trouxe à tona o debate sobre a Resistência Nacional Irlandesa e seus desenvolvimentos nos últimos anos. 

O ataque republicano contra o policial ocorreu no dia 22/02 na cidade de Omagh, condado Tyrone, quando dois combatentes do IRA emboscaram o policial na saída de uma partida de futebol e o alvejaram com cerca de dez tiros de arma de fogo. A ação foi reivindicada pelo Exército Republicano Irlandês (IRA, também conhecido como Novo IRA), no dia 26/02, por meio de uma declaração colada em uma parede da cidade de Londonderry e assinada por T.O. Neill. O nome T.O. Neill tem sido utilizado pelo IRA em suas declarações e apareceu no pronunciamento desta organização sobre a intensificação da luta armada na Irlanda. 

Logo após o ataque, ao menos seis pessoas foram detidas pela PSNI para interrogatório. Enquanto isso, câmeras da região foram revistadas para tentar identificar os envolvidos. A partir das câmeras, os policiais reacionários da PSNI identificaram o carro utilizado na ação: um Ford Fiesta azul, comprado duas semanas antes no condado de Antrim e posteriormente guardado em Belfast, onde teve as placas trocadas. Ainda com o uso de câmeras de rua, os agentes do Estado colonial irlandês identificaram que o carro foi à Omagh no dia anterior ao ataque. Por fim, o carro foi encontrado queimado na cidade de Racolpa, já fora dos limites do condado de Omagh.

Mesmo com todo o aparato de investigação, o Estado irlandês não foi capaz de prender nenhum republicano. Quatro das seis pessoas detidas foram liberadas já no dia 1° de março. As outras duas, mantidas por mais tempo sob interrogatório após liminar da justiça reacionária irlandesa, acabaram por ser liberadas no dia 05/03.

O caminho da Resistência Nacional Irlandesa

Membros do Exército Republicano Irlandês (IRA) durante o Levante de Páscoa.

O ataque republicano realizado contra John Caldwell é mais um capítulo da secular luta do povo irlandês pela sua completa libertação. Há séculos, a Nação irlandesa, subjugada e oprimida pela Inglaterra (inicialmente pelo colonialismo britânico, posteriormente e até hoje pelo imperialismo britânico), se ergue em levantes e rebeliões armadas contra os seus colonizadores.

Ano após ano, milhares de irlandeses vão às ruas para celebrar o Levante de Páscoa de 1916, quando republicanos reunidos em diversas organizações militares assaltaram a Estação Central dos Correios, em Dublin, e declararam ali a independência e fundação da República Irlandesa. Está gravado na memória do povo irlandês, também, a Guerra pela Independência da Irlanda, quando os republicanos confrontaram, de armas nas mãos, os militares britânicos e as hordas sanguinárias dos Black and Tans (milícia britânica composta de veteranos da Primeira Guerra Mundial exclusivamente para combater os patriotas irlandeses). O mundo inteiro acompanhou o período conhecido como “os Conflitos” (1968 – 1998), marcado na história da Nação Irlandesa – e de seus algozes britânicos – como um ponto alto de sua luta por libertação. 

Membros do Exército Republicano Irlandês durante os Conflitos. Foto: Reprodução
Membros do Exército Republicano Irlandês durante os Conflitos. Foto: Reprodução
Membros do Exército Republicano Irlandês durante os Conflitos. Foto: Reprodução

No ano de 1998, o período dos “Conflitos” chegou ao fim com um evento que os imperialistas esperavam significar o fim da Resistência Nacional Irlandesa: a assinatura de um acordo de paz entre imperialistas britânicos e capituladores irlandeses. O acordo, que foi assinado após percalços na luta armada e o cessar-fogo de determinadas forças (o Exército Republicano Irlandês Provisório declarou cessar-fogo em 1994), manteve o território irlandês separado (entre República da Irlanda e Irlanda do Norte) e criou, para tentar apaziguar a rebelião, instituições governamentais títeres do imperialismo britânico no território nortenho. 

Diferente do que os imperialistas esperavam, contudo, as ações da Resistência Nacional não cessaram. No próprio ano de 1998, diversas explosões foram realizadas por republicanos que dissidentes do acordo de paz, agora aglomerados no Exército Republicano Irlandês Real (Real IRA, ou RIRA). Os ataques continuaram nos anos subsequentes: policiais, delegacias, soldados do exército britânico, sedes de jornais do monopólio britânico (especificamente, a BBC) e bases militares foram alguns dos alvos dos republicanos dissidentes. 

Um levantamento de AND, com base em reportagens do monopólio de imprensa e de jornais republicanos irlandeses, revela que ao menos 138 explosões, envios de cartas bomba, disparos com armas de fogo, ataques com lança-mísseis, ameaças de morte, ataques incendiários, ataques com coquetéis molotovs ou ataques por meio de diferentes fontes usadas simultaneamente foram realizados entre 2006 e 2023. Dentre estes ataques, 89 foram ataques a bomba, 18 ataques com armas de fogo, 15 cartas-bomba, cinco ataques com coquetéis molotov, três ataques incendiários, dois foram ameaças de morte, um ataque com lança-mísseis e cinco ataques simultâneos. O principal palco da Resistência Nacional nesse período foi o condado de Antrim, onde 42 ações foram realizadas.

Nos ataques da Resistência Nacional, os alvos são múltiplos e se distribuem entre todos aqueles que representam o imperialismo britânico ou a traição da Nação a este. Três grupos se destacam: os que representam a ocupação britânica, os capituladores irlandeses traidores da Nação e instituições “irlandesas” lacaias ao imperialismo britânico. Entre 2006 e 2023, as ações patrióticas dos irlandeses alvejaram 77 policiais e afiliados (parentes ou médicos de policiais), 11 militares britânicos ou irlandeses, sete políticos de partidos da capitulação (Sinn Fein) ou pró-união com a Inglaterra, duas instituições financeiras imperialistas, três figuras ou prédios do judiciário, duas figuras ou prédios do serviço de inteligência britânico, três guardas prisionais e um informante. Além destes, houve 31 ataques cujos alvos não foram identificados. Em sua maioria, bombas deixadas na estrada, provavelmente para serem disparados contra patrulhas policiais, mas que não dispararam e não tiveram os alvos confirmados.  

Em 2009, dois eventos marcaram a Resistência Nacional Irlandesa: no dia 7 de março daquele ano, dois militares britânicos foram mortos e mais dois ficaram feridos por disparos efetuados por combatentes do Real IRA, configurando as primeiras mortes de militares britânicos pelas mãos da Resistência Nacional desde 1997. Dois dias depois, o policial Stephen Carroll, do PSNI, foi morto. Caroll foi o primeiro policial morto por republicanos desde 1998.

No ano seguinte, a Resistência Nacional continuou a intensificar suas ações. Ao menos 25 ações foram realizadas pelos patriotas ao longo do ano. Em seis dias do mês de julho de 2010, protestos republicanos alvejaram tropas policiais com coquetéis molotovs, tiros de arma de fogo e outros tipos de projéteis. 

Ainda em 2010, em outubro, uma agência do Banco Ulster, de capital predominantemente inglês, foi alvo de um ataque à bomba. A ação foi realizada em torno de 23h56, quando um carro carregado de 90kg de explosivos detonou na frente da instituição financeira imperialista. Além do banco, um hotel foi gravemente danificado e dois policiais ficaram feridos. 

Em 2012, diferentes organizações republicanas, como o Real IRA, a Ação Republicana Contra as Drogas e outros grupos menores, afirmaram que se uniriam sob uma única organização, intitulada o Novo IRA, ou somente IRA. Como resultado, as ações da Resistência Nacional prosseguiram ao longo dos anos. 

Não tendo se limitado somente à Irlanda do Norte, os republicanos irlandeses também realizaram ações no próprio Reino Unido. Em fevereiro de 2014, o Novo IRA reivindicou o envio de cartas bomba a centros de recrutamento do exército britânico nas cidades inglesas de Oxford, Reading, Slough, Brighton, Aldershot, Canterbury e Chatham. No mesmo ano, mais duas cartas bomba foram enviadas a prisão de alta segurança de Maghaberry, na Irlanda do Norte, onde republicanos estavam enclausurados.

Viatura da PSNI foi alvo de molotovs em manifestação de celebração ao Levante de Páscoa. Foto: Niall Carson/PA

Em 2019, novas cartas bombas foram enviadas. Desta vez, os alvos foram aeroportos e estações de trem de Londres. Cartas-bombas são frequentemente usadas pelos republicanos irlandeses em suas ações patrióticas. Durante os “Conflitos”, dezenas de casas de políticos e prédios governamentais e de monopólios de imprensa britânicos foram destinos desses artefatos. 

Essa luta intensa da Nação irlandesa por sua libertação prossegue até os dias de hoje. Ano após ano, os republicanos irlandeses seguem com ataques contra as forças do imperialismo britânico e os traidores da Nação irlandesa. Ao que tudo indica, a Resistência Nacional Irlandesa continuará até que atinja, como afirmou o IRA em seu pronunciamento de início de ano, o seu “objetivo final – o estabelecimento de uma República Socialista de 32 Condados”. O mesmo foi reiterado pelos Republicanos Socialistas Irlandeses, que afirmaram no mesmo período que “a Libertação Nacional continua sendo a contradição principal na Irlanda e deve ser a força motriz para todos os Republicanos Socialistas Irlandeses. A Resistência é o único caminho para a vitória de nossa revolução e deve continuar como o norte para os Republicanos Socialistas em oposição ao revisionismo parlamentar, o eleitoralismo ou referendos”.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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