Editorial semanal – A crise política está saltando a um nível superior

No último dia 3, o capacho de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, foi preso junto com outros ex-ocupantes do Palácio do Planalto pela Operação “Venire”.

Editorial semanal – A crise política está saltando a um nível superior

No último dia 3, o capacho de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, foi preso junto com outros ex-ocupantes do Palácio do Planalto pela Operação “Venire”.
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No último dia 3, o capacho de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, foi preso junto com outros ex-ocupantes do Palácio do Planalto pela Operação “Venire”. Foi o início de uma ofensiva do cerco que está se fechando sobre Bolsonaro, o Fraco. Este é apenas um dos elementos da profunda crise, mas de suma importância; crise política e institucional que o resultado das últimas eleições não debelaram, e só fizeram agravá-la no aspecto militar, fazendo-a saltar a um novo patamar.

A investigação, conduzida pelos órgãos federais e pelo Supremo Tribunal Federal – cujo enorme poder e concentração de funções é uma aberração dentro dos marcos de sua própria constituição reacionária –, já interceptou falas comprometedoras, em que cupinchas de Bolsonaro discutem detalhes operacionais de seu plano de ruptura institucional, cujo desaguar foi a segunda bolsonarada de 8 de janeiro. Em um dos áudios, Ailton Barros (o “01 de Bolsonaro”) afirma que é preciso pressionar para que o então comandante da força terrestre assuma a iniciativa de uma intervenção militar total; em outra, em cólera pela tentativa frustrada, afirma que o Alto Comando do Exército é frouxo e que é preciso levantar os militares apesar disso, para arrastar os altos mandos, indicando que estes sabiam de todo o plano (confirmando tudo o que denunciamos, desde 2019, nesta tribuna). Esse mesmo sujeito – que tem inquestionável vinculação com as “milícias” herdeiras dos esquadrões da morte no Rio de Janeiro – afirmou ainda que “sabe de tudo” sobre a morte de Marielle. Alguém duvida que Bolsonaro – o chefe – e a cúpula militar sabem de tudo e mais um pouco?

O avanço das investigações é claramente um movimento calculado. Todas essas informações sensíveis são resultados de interceptações telefônicas de conversas de anos; são, obviamente, conhecidas das “autoridades” que agora revelam a todo o País, em suspeitos “vazamentos à imprensa” – na verdade, entrega deliberada para que sejam divulgadas. Mas vêm à tona agora, quando Bolsonaro perdeu seu posto e regressou dos States, tendo seu passaporte retido.

Essas iniciativas da direita tradicional – tendo como núcleo o STF – em parte satisfazem e, em parte, contrariam os interesses da direita militar hegemônica no Alto Comando das Forças Armadas (ACFA). Satisfazem, na medida em que “queimam” crescentemente Bolsonaro, o que facilita aos generais impor o seu mando absoluto na ofensiva contrarrevolucionária preventiva, em curso desde 2015, e arrebatar as vivandeiras de quartel e a baixa e média oficialidade (da reserva e da ativa) da influência da extrema-direita bolsonarista. Nota-se relativo êxito nessa frente, pois embora o Bolsonaro não tenha passado à insignificância, o bolsonarismo enquanto fenômeno político e social passou à defensiva e sofreu certa desmoralização, inclusive na caserna. Contrariam, na medida em que tais iniciativas dão ao STF um poder de “moderação” que os generais querem para si, assim como fortalecem a coalizão da direita tradicional e do oportunismo, que resiste ao golpismo levantando um purulento bastião de defesa dessa velha democracia do sistema de exploração, da subjugação nacional, da corrupção e das chacinas de pobres. A direita hegemônica no ACFA tem ainda que lidar com a enorme pressão dentro da caserna; pugnas em seu seio e entre ele e a extrema-direita, causando descoesão interna, um relevante obstáculo para cumprir seus planos. A situação revela o paradoxo e as derrotas da ofensiva contrarrevolucionária do ACFA em seus intentos de golpe “lento, gradual e seguro”.

Ademais, a crise política se aprofunda também no seio do governo de coalizão reacionária. Luiz Inácio e o PT não foram eleitos como em seus três mandatos anteriores. Seu governo não possui uma relativa credibilidade popular; a época não é de expansão do capitalismo burocrático; o quadro político-institucional não é de relativa estabilidade; a situação mundial, hoje, é de crise geral de enorme gravidade, desordens mundiais e tendência a guerras e revoluções. Os tempos são outros; sua tarefa de conciliar os variados interesses é extremamente mais difícil.

A coalizão reacionária no governo não possui uma sólida base parlamentar majoritária – como o comprovam suas derrotas no Congresso, como no “marco do saneamento”. As massas populares não lhe emprestam entusiasmo, e a relativa ilusão que uma parcela minoritária ainda nutre está crescentemente se esboroando. E eis que Luiz Inácio, para tentar obter vitórias no Congresso, recorre aos vícios nefastos dessa velha democracia, agora abertamente, adotando inclusive o dispositivo criado por Bolsonaro e que tanto criticou: as emendas deixadas pelo “orçamento secreto”, qualificado pelo próprio atual presidente como “excrescência”. O valor liberado pelo pelegão é um recorde, que nem o capitão do mato fora capaz de alcançar: R$ 9 bilhões. Diante do perigo crescente de instabilização de seu governo pela situação explosiva da crise, ele ainda devolveu o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) a um general, que em entrevista recente, qualificou como “pesada demais” a afirmação de que Bolsonaro levou a cabo um processo de politização das Forças Armadas. Esse é o Luiz Inácio, quem se elegeu com a bandeira de desmilitarizar o Palácio do Planalto.

Por seu turno, as massas populares estão elevando o protesto popular – como mais um reflexo da crise política e de legitimidade do governo e de toda essa velha democracia. A greve de âmbito nacional dos professores exigindo a aplicação do piso salarial é um exemplo contundente – como o fora, antes, a greve dos trabalhadores da saúde. As ocupações de terras em diferentes regiões do País puxadas pelas massas camponesas retomam a saga heroica das batalhas camponesas em 2020-2021 das áreas Manoel Ribeiro e Tiago Campin dos Santos, em Rondônia, dirigidas pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP). As greves atomizadas de operários e assalariados explodem em todo o País (apesar de multas milionárias diárias determinadas por esse judiciário aristocrático). É preciso vinculá-las à luta política por desmascarar completamente esse governo de turno reacionário e chocar-se com o plano golpista em curso. Se isto ocorrer, os generais golpistas e o governo oportunista, ambos comprometidos com a manutenção da velha ordem, terão muitos problemas à frente.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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