Mesmo ouro liga incas, espiões e Bolsonaro (parte 1)

Jazida de ouro da TI Yanomami tem uma história que reúne o império inca, interesses imperialistas e membros do ex-governo ultrarreacionário de Bolsonaro e generais.

Mesmo ouro liga incas, espiões e Bolsonaro (parte 1)

Jazida de ouro da TI Yanomami tem uma história que reúne o império inca, interesses imperialistas e membros do ex-governo ultrarreacionário de Bolsonaro e generais.
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Parece filme de aventura mas é real: a cobiçada jazida de ouro do território Yanomami, em Roraima, tem uma história quase desconhecida que envolve o império inca, interesses internacionais camuflados (modernos) e membros do ex-governo ultrarreacionário de Bolsonaro (e generais), incluindo militares famosos como o general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, Gabinete de Segurança Institucional.

O enredo “cinematográfico” começa antes de 1500, quando o império dos incas, cuja capital era Cusco no Peru, estava no auge, possuía enormes riquezas em prata e ouro e era conhecido como “reinado da metalurgia”. Pois descobriu-se agora, numa hipótese inédita, que uma parte de seu ouro era brasileiro, extraído da Terra Indígena (TI) Yanomami  A ideia, recente, surgiu nos anos 1980 via Roland Stevenson, premiado artista plástico chileno morador de Manaus, já falecido. Como se tratava de um pesquisador autodidata, aventureiro e de personalidade contundente, não foi levado totalmente a sério. Porém hoje surgem estudos que não descartam mais aquela possibilidade.

Roraima foi Eldorado?

A lenda do Eldorado amazônico como lugar riquíssimo, por exemplo, hoje já é abordada com viés histórico e arqueológico por acadêmicos, como é o caso do livro Cotidiano e poder na Amazônia pré-colonial, da arqueóloga Denise Cavalcante Gomes, do Museu Nacional da UFRJ (Editora Edusp, 2008).

Alguns destes estudiosos situam Eldorado justo na área de Roraima/Guiana, aludindo a relatos de visitantes exploradores do século 16, como o espanhol Antonio de Berrio (1527-1597) e o britânico Walter Raleigh (1552-1618).

Incas na Amazônia? 

Em artigo publicado pela Universidade de SP (Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP) pela doutora em História e mestre em Arqueologia Cristiana Bertazoni Martins, em 2009, se vê que não é absurdo pensar ao menos num conhecimento inca sobre a jazida de Roraima.

Andes e Amazônia: história e arqueologia Inca no baixo Rio Madre de Diós é o título do texto, que diz:

“Muitos séculos antes de Manco Capac (Obs:fundador do clã incaico) e do desenvolvimento, expansão e consolidação do Tahuantinsuyu (Obs:o império inca) na área andina, as culturas estabelecidas nas terras altas já mantinham intenso contato com a grande variedade de grupos étnicos que habitavam as terras baixas. Desde a época de Chavín – uma das civilizações (peruanas)mais antigas da América do Sul – a presença de influências amazônicas nas terras altas (e vice versa) pode ser evidenciada em diversas esferas. Mais tarde, com a chegada dos Incas à região andina, a grande diversidade geográfica e étnica da Amazônia ocidental foi agrupada debaixo de dois termos generalizadores: Antisuyu, para se referir às extensas áreas amazônicas a leste de Cuzco, e Antis, para se referir aos seus habitantes (por ex: os Ashaninka, Machiguenga, Cashinahua, Amuesha entre muitos outros). Geograficamente o Antisuyu é compreendido como a parte amazônica do (império) Tahuantinsuyu. Porém dada a vasta extensão da floresta, geralmente os autores divergem sobre sua localização precisa.”

Tupac Yupanqui na selva

O soberano cusquenho Tupac Inca Yupanqui (cerca 1441-1493) pode ter sido o iniciador da extração aurífera na zona roraimense, pois sua biografia diz que desbravou a selva a partir de 1471, penetrando na ampla Amazônia através do Rio Amarumayo (da Serpente, em idioma quêchua; depois Madre de Diós, em castelhano) com o intuito de obter plantas (medicinais, comestíveis, etc) e encontrar “mais ouro.”    

A cidade mitológica dentro do lago  

Stevenson acreditava ter comprovado a existência do fantástico Lago Parime ou Parima. Nele estaria localizado o Eldorado na forma de uma “cidade”, também conhecida como Manoa. Antes do chileno, porém, repetidas tentativas de encontrar o lago não tinham confirmado sua existência, e assim foi descartado como mito.

O pesquisador dizia, no entanto, que havia sim um certo espaço em Roraima, incluído na hoje TI Yanomami, que havia contido água algum dia, cerca de 700 anos atrás, tendo deixado marcas visíveis.

Geólogos falaram de um lago que secou há milhões de anos, descartando Eldorado. Porém investigações geológicas recentes sugeriram que um lago pode ter existido, mas que secou por volta do século XVII ou XVIII, devido a um fortíssimo terremoto. Este foi confirmado pelo sismológo Alberto Veloso, da Univers. de Brasília. Em estudo de 2014, disse que houve um grande terremoto na Amazônia em 1690, atingindo 7 graus da escala Richter, o maior já ocorrido no país.

Espiões ou ladrões?

Stevenson, numa entrevista ao blog Arqueologia Americana em 2010, contou um caso envolvendo estranha operação britânica na ilha Maracá, provável localização de Manoa/Eldorado, conforme mapas de Hondius e Harriot (ambos dos anos 1500), anunciada como descoberta pelo chileno em 1987, citando novamente a lagoa Parima.

“Um mês depois de meu anúncio, a ilha Maracá foi interditada para pesquisas de ‘meio ambiente’ pela Royal Geographic Society, em convênio com o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). O curioso era que somente os ingleses podiam entrar na ilha.”

“O próprio vigia que fazia o policiamento fluvial da zona, o Walquimar (Felix de Souza), relatou que os ingleses tiravam toneladas e mais toneladas de material hermeticamente embalado, enviado de avião para a Guiana Inglesa e daí para a Inglaterra.”

“Indagando ao vigia sobre o conteúdo das caixas, ele disse desconhecer, porém calculava que seria ouro pelo excessivo peso delas, pois precisavam numerosas pessoas para carregá-las e tendo muito cuidado ‘porque eram coisas delicadas’. O INPA alegou depois que se tratava de terra para análise na Inglaterra. Mas tantas toneladas durante um ano? E ainda delicada? Aliás, o resultado dessas análises nunca retornou ao Brasil, como também nenhum estudo considerável e útil.”

Entre 2007 e 2009, o general Augusto Heleno, como Comandante Militar da Amazônia, teria denunciado que interesses estrangeiros estavam ameaçando  a segurança nacional nas imediações da Serra Parima, em Roraima, devido ao abundante ouro existente na área. AND não conseguiu  confirmar tal declaração, mas sim o papel que o militar passaria a ter na garimpagem ilegal, ao lado do bolsonarismo, conforme se mostrará na Parte 2 desta reportagem. 

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