ELN volta a estabelecer ‘negociações de paz’ com velho Estado colombiano

ELN volta a estabelecer ‘negociações de paz’ com velho Estado colombiano

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O Exército de Libertação Nacional da Colômbia (ELN) e o governo do oportunista Gustavo Petro declararam, no dia 4 de outubro, que retomarão negociações para assinar um “acordo de paz”. As negociações para a capitulação devem iniciar em Caracas, Venezuela, país mediador, após a primeira semana de novembro. O secretário de Estado do imperialismo ianque, Anthony Blinken, visitou a Colômbia nos dias 3 e 4 de outubro para deixar claro o “apoio integral” do Estados Unidos (USA) aos acordos.

Além da Venezuela, a negociação terá como mediadores a Igreja Católica, o organismo do imperialismo ianque Organização das Nações Unidas (ONU), o Estado imperialista da Noruega e o Estado revisionista cubano. 

Ao anunciar a retomada dos acordos, as partes envolvidas afirmam que o que foi estabelecido no período de negociações entre 2016 e 2018 será mantido. Assinaram o documento o representante do velho Estado colombiano, Iván Danilo Rueda, e os comandantes capitulacionistas do ELN, Antonio García e Pablo Beltrán. 

O ELN, que foi fundado em 1964 e conta com uma força de 2.500 combatentes, já tentou estabelecer “acordos de paz” com ao menos oito presidentes da Colômbia. Os últimos, iniciados em 2016, foram suspensos em 2018 e encerrados definitivamente em 2019 pelo ex-presidente colombiano Ivan Duque.

O cessar-fogo de um único lado

As experiências dos “acordos de paz” na América Latina, e sobretudo na Colômbia, são manchadas por um histórico sangrento que as acompanha. O exemplo mais eloquente foi o grupo guerrilheiro M-19, que após depor suas armas teve centenas de seus guerrilheiros assassinados pelo velho Estado colombiano, a serviço do imperialismo.

O mesmo ocorreu com as Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc), que possui longo histórico de “acordos de paz” com a reação e o imperialismo. Em 1984, uma das negociações capitulacionistas desse grupo deu origem ao partido político União Patriótica (UP), ao qual se somaram também membros do revisionista Partido Comunista Colombiano. A UP sofreu sucessivos extermínios entre 1988 e 1990, 1990 e 1991 e 1992 e 2003, com um saldo de mais de 3 mil membros assassinados pelas forças de repressão do velho Estado colombiano.

O mais recente acordo das Farc, assinado em 2016, também foi sucedido pelo assassinato de centenas de ex-guerrilheiros, que continua a acontecer. Até junho de 2022, 337 signatários dos “acordos de paz” haviam sido assassinados. 

Ao passo que as massas combatentes entregaram suas armas, o velho Estado colombiano fortaleceu suas Forças Armadas reacionárias para perpetuar o massacre, principalmente contra os camponeses em luta pela terra (tendo sido essa a origem das guerrilhas). Em 2021, o investimento no setor de Defesa do país foi de 10,2 bilhões de dólares (R$ 53 bilhões). 

O que se sucede aos ‘acordos de paz’?

O ELN não é o único grupo armado da Colômbia, ou mesmo da América Latina, que opta pelo caminho dos “acordos de paz”. Ao longo da história do continente, outros movimentos armados, que assim como o ELN, possuíam concepção foquista (formulada por Che Guevara na Revolução Cubana e que conduz a luta guerrilheira em múltiplos focos de guerrilha sem uma vanguarda proletária), aceitaram entregar as armas em negociações que prometiam vaziamente melhorias na qualidade de vida do povo por meio de reformas políticas. Promessas, todas, sem garantias de realização e nunca cumpridas.

Em 1985, o grupo guerrilheiro colombiano Movimento 19 de abril (M-19) deixou de lado a luta armada ao acordar que reformas democráticas seriam implementadas no país e a vida do povo melhoraria. Hoje, 1% das grandes fazendas do país concentram 81% da terra colombiana, enquanto 19% das terras restantes estão divididas entre pequenas propriedades. Em torno de 30% da população indígena vive em situação de miséria e 79% das crianças indígenas sofrem de desnutrição.

O mesmo ocorreu em El Salvador, país da América Central. Na década de 1980, iniciou-se o período de luta armada após cinco organizações unirem-se na Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN). No final da mesma década, a FMLN chegou a conquistar um quarto do território do país e parte da capital. O imperialismo ianque, que dominava a economia do país (e ainda domina) e via a luta armada como ameaça a essa dominação, aumentou a ajuda financeira para a casa de 1 milhão de dólares por dia. Em 1991, um acordo de paz foi estabelecido tendo o organismo imperialista ianque ONU como mediador. A FMNL acreditava que, com o acordo, conseguiria vitórias para o povo pobre do país. Nas eleições de 1994, ganhou o presidente reacionário Armando Calderón Sol, serviçal do imperialismo que privatizou fundos de pensões, companhias telefônicas e companhias elétricas. Em 2001, a moeda oficial do país foi substituída pelo dólar americano. Em agosto de 2021, 800 mil pessoas do país passavam fome. Atualmente, 35% das massas salvadorenhas estão em situação de pobreza. Enquanto isso, a dívida externa do país equivale a 21 bilhões de dólares (R$ 109 bilhões).

Ao contrário do que é alardeado pelos representantes da capitulação, o imperialismo e as classes dominantes locais, de que os “acordos de paz” trarão “benefícios para os pobres”, a realidade mostra o contrário: ao mesmo tempo em que as organizações guerrilheiras entregam as armas, a ditadura das classes dominantes torna-se mais voraz. A reação não cumpre suas falsas promessas de melhorias pontuais para as massas, que também agrava o quadro geral de opressão e exploração das massas populares, uma vez que a dominação das classes exploradores  e a estabilidade do velho Estado não estão mais ameaçadas pela luta armada das massas populares.

Os ‘acordos de paz’ e a Guerra de Baixa Intensidade

Junto à propaganda dos supostos benefícios dos “acordos de paz”, está a falsa fundamentação de que estes acordos são resultado de avanços democráticos, resultando na suposta mudança de natureza do próprio Estado explorador. Essa fundamentação ofusca o verdadeiro caráter de classe do Estado, e esconde qual o real objetivo desses acordos, que foram institucionalizados como parte da estratégia de dominação do imperialismo ianque na década de 1980, para  aniquilar os movimentos revolucionários de massas e manter a dominação imperialista. 

Os “acordos de paz” foram estruturados como parte da estratégia de dominação imperialista “Nova Ordem Mundial”, que utiliza como meio os assim chamados Conflitos de Baixa Intensidade (CBI) ou Guerra de Baixa Intensidade. Segundo Isabel Jaramillo Edwards*, o CBI “incorpora elementos doutrinários que tiveram vigência a partir da Segunda Guerra Mundial”. Segundo a analista, o CBI, que surgiu em 1981, se desenvolve no marco do programa “segurança e desenvolvimento”, cujo objetivo é liquidar os “movimentos subversivos” ou qualquer expressão de luta anti-ianque. A autora resume esta estratégia como uma “concepção estratégica flexível e integral, cujos objetivos são fundamentalmente político-militares e de longo alcance”. Assinala que sua operacionalização corresponde à aplicação de opções políticas, diplomáticas, militares, sociais, sociólogas e de propaganda. 

Dentro dessa estratégia, o imperialismo elenca duas opções e formas de atuar contra essas forças: a força militar, seja por meio de invasões, envio de tropas ou uso de mercenários; e o programa de negociações, de “diálogo”, utilizado para minar as posições progressistas e revolucionárias no interior do movimento, identificar os elementos mais avançados e desmobilizar as massas. Dessa forma, mesmo a suposta opção do “diálogo” não exclui o uso de forças militares contra os movimentos revolucionários. Para garantir que a reorganização dos grupos guerrilheiros não se dará rapidamente, o desarme das guerrilhas é sucedido pela repressão e aniquilamento de seus comandantes e combatentes. 


* EDWARDS, J.I. El Conflicto de Baja Intensidad, modelo para armar. Centro de Estudios sobre América, janeiro de 1987. 

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