MA: Dois indígenas Guajajara e um trabalhador são mortos em meio à aumento de assassinatos no campo

MA: Dois indígenas Guajajara e um trabalhador são mortos em meio à aumento de assassinatos no campo

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Dois indígenas da etnia guajajara, José Inácio Guajajara e Valdemar Marciano Guajajara, foram encontrados mortos entre os dias 24 e 28 de janeiro no Maranhão, em áreas de conflito agrário envolvendo indígenas e latifundiários. José Inácio Guajajara, de 46 anos, foi encontrado morto com marcas de violência pelo corpo às margens da BR-226, próximo à Terra Indígena (TI) Cana Brava, no município de Grajaú. No entanto, de acordo com o Instituto de Medicina Legal (IML), o indígena morreu em “decorrência de causas naturais”. Já Valdemar Marciano Guajajara, de 45 anos, foi encontrado morto na manhã do dia 28 de janeiro, na cidade de Amarante do Maranhão, que fica a cerca de 637 quilômetros da capital São Luís e faz divisa com a TI Arariboia. A regional do Maranhão do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) disse que o indígena da aldeia Nova Viana foi encontrado com marcas “que indicam que ele tenha sido brutalmente assassinado”. 

Já no dia 31 de janeiro, o trabalhador Raimundo Ribeiro da Silva, de 57 anos, foi assassinado a tiros na aldeia Abraão, localizada na TI Arariboia. Raimundo era casado com uma indígena guajajara e cumpria a função de motorista do Polo da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no município de Arame, no Maranhão.

Raimundo Ribeiro da Silva. Foto: Reprodução

As mortes ocorrem em um contexto de aumento do número de assassinatos de indígenas e ativistas da luta pela terra do estado do Maranhão.

VELHO ESTADO SE CONTRADIZ 

No caso de José Inácio Guajajara, o governo do Maranhão informou, oficialmente, que “o indígena foi encontrado morto com marcas de disparos de arma de fogo”. Posteriormente, o IML de Imperatriz, na figura da diretora Ana Paula Milhomem, informou que o corpo não tinha nenhuma marca de violência. O instituto afirmou que José “teve um infarto e acabou caindo em algumas pedrinhas, o que levou a alguns machucados com sangue na região do peito”. A morte do indígena aconteceu um dia depois de um encontro entre a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e lideranças da TI Araribóia. Durante a visita técnica, a comissão se reuniu com 47 caciques e ouviu relatos de violência e ameaças contra o povo guajajara.

Já Valdemar Marciano Guajajara foi encontrado morto em um canteiro de obras com sinais de espancamento. De acordo com o laudo médico, a causa da morte é traumatismo cranioencefálico. Uma testemunha disse que, antes de ser morto, o indígena estava bebendo em um bar da região acompanhado da esposa, que está desaparecida, e de outras pessoas. 

ESCALADA DE VIOLÊNCIA SE ALONGA POR 12 ANOS

Em entrevista ao monopólio de imprensa g1, uma liderança guajajara falou sobre o caso e a escalada de violência na região nos últimos 12 anos : “Durante esse tempo todinho, a comunidade não suporta mais, né? Viver angustiado, não tem mais alegria de trabalhar na roça, né. As mulheres, nossas esposas, também se preocupam com a gente, né. As crianças e os jovens estão crescendo e vendo aquilo”. 

No dia 12/08/2018, o cacique da aldeia Cocalinho I, Jorge Guajajara, foi encontrado morto perto do rio Zutiwaia que corta a TI Arariboia, no município de Arame, no Maranhão. Segundo os guajajara, o indígena de 56 anos foi assassinado pela sua posição de destaque na luta pela autodemarcação da TI Arariboia pelo grupo Guardiões da Floresta. O grupo atua na defesa do território através…

Pouco mais de um ano depois, no dia 02/11/2019, indígenas Guardiões da Floresta foram emboscados por madeireiros na selva maranhense, resultando no assassinato do guardião da floresta Paulo Paulino Guajajara, morto com um tiro no rosto. Um madeireiro identificado como Márcio Gleik Moreira Pereira também morreu em uma troca de tiros, e o indígena Laércio Sousa Silva sobreviveu. Poucos dias depois, a área foi palco de um incêndio criminoso. 

Um mês depois, no dia 07/12/2019, dois caciques guajajara, Firmino Praxete Guajajara, de 45 anos, da aldeia Silvino (TI Cana Brava) e o cacique Raimundo Belnício, 38 anos, da aldeia Descendência Severino (TI Lagoa Comprida), foram assassinados com tiros de revólver enquanto percorriam em motocicletas um trecho da rodovia BR-266, próximo à aldeia El Betel, na TI Cana Brava, no município Jenipapo dos Vieiras.

Na mesma cidade onde Valdemar foi encontrado morto, no dia 03/08/2022, outro guajajara, Janildo Oliveira Guajajara, membro do grupo de autodefesa Guardiões da Floresta desde 2018, foi emboscado junto ao seu sobrinho menor de idade e assassinado covardemente com tiros nas costas por grandes madeireiros da região.

Pouco mais de uma semana depois, no dia 11/09/2022, Antônio Cafeteiro, da aldeia Lagoa Vermelha, foi assassinado com seis tiros no município de Arame, próximo ao limite da TI Arariboia.

No início de janeiro de 2023, dois indígenas, identificados como Benedito Gregório Soares Guajajara, de 19 anos, e Juninho Guajajara, de 17 anos, foram baleados por homens em um carro preto não identificado nas imediações da aldeia Maranuí, em Santa Luzia, próxima ao município de Arame. Os dois seguem internados em estado grave. 

INDÍGENAS SE DEFENDEM DOS CRIMES DO LATIFÚNDIO

A região da floresta amazônica maranhense é palco de um intenso conflito agrário envolvendo grileiros, mineradoras, grandes madeireiros e máfias de garimpeiros (todos financiados e organizados por grandes latifundiários) e os povos guajajara, awá-guajá e kaapor. A fim de proteger suas terras dos invasores, os indígenas conformaram em 2007 um grupo de autodefesa intitulado “Guardiões da Floresta”. Naquela época, um caminhão usado para exploração de madeira ilegal nas matas da região foi apreendido pelos indígenas.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o veículo pertencia ao madeireiro Geraldo Cândido da Costa Filho, conhecido comode vulgo “Geraldinho”. Em vã tentativa de subornar os indígenas, foi oferecido R$ 15 mil para que os indígenas devolvessem o caminhão. Diante da recusa, um grupo de madeireiros fortemente armados com armas de grosso calibre atacou a aldeia. Durante o conflito, o cacique Tomé Guajajara trocou tiros com os invasores. Ao final, morreram o pistoleiro Josevan da Costa Gomes e o próprio cacique, além de dois indígenas gravemente feridos. “Geraldinho” e os irmãos Joane e Elias Rodrigues da Costa foram denunciados pelo MPF pelo homicídio de Tomé Guajajara, mas, mostrando-se mais uma vez ser instrumento dos latifundiários e grandes burgueses, o velho Estado brasileiro não aplicou a sentença.

Em 2021, diante do aumento das invasões e violência contra os povos indígenas, o grupo realizou através de uma carta intitulada “Se a nossa terra, a nossa floresta sumir, o que vai ser do meu povo?” diversas denúncias sobre o velho Estado, invasões de madeireiros, ameaças de morte e assassinatos. Na carta, os guardiões afirmam que as ações empreendidas pelo grupo têm combatido a ação de madeireiros ilegais e outros invasores. “Nós identificamos os invasores, destruímos seus acampamentos e os expulsamos da nossa terra”, afirmam no texto. O grupo também ressalta a ligação entre o latifúndio e o velho Estado com a grande propaganda do chamado “agronegócio” em detrimento do direito à terra. “O governo só fala em agro: agro é isso, agro é aquilo, agro é desenvolvimento, agro é tudo para eles. Para nós não. Para o governo, a riqueza é soja, é cana, é boi. O branco pensa assim, mas nós não. Dinheiro para nós não compra a vida de ninguém”, afirma. Os indígenas concluem a carta reafirmando o compromisso e a independência de sua luta: “Nós vamos continuar lutando mesmo sem apoio do governo. Nós vamos lutar até o fim. Até o fim. Enquanto existir uma criancinha que nós podemos defender, nós estaremos lá.”.

VIRADA DO ANO É MARCADA POR CHACINAS E EXECUÇÕES SUMÁRIAS NO CAMPO

Nos últimos meses de 2022, diversos ataques de tropas mercenárias do latifúndio contra camponeses, povos indígenas e quilombolas ocorreram, assim como ações terroristas de grupos de extrema-direita. Os ataques são insuflados pelo derrotado Bolsonaro e financiados pelo latifúndio. Na noite de 20/10/2022, a Área Revolucionária Cleomar Rodrigues, município de Pedras de Maria da Cruz (Norte de Minas), organizada pela LCP, foi alvo de um atentado que consistiu em um incêndio contra a casa de um morador, na entrada da área, provocado através de uma fresta. Roupas e pertences do morador e materiais de propaganda da Assembleia Popular (AP) foram destruídos pelas chamas.

Menos de um mês depois, no dia 12/11/2022, um grupo da extrema-direita realizou um ataque contra o Centro de Formação Paulo Freire do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), localizado no assentamento Normandia, em Caruaru (PE). Os bolsonaristas invadiram e incendiaram a casa da coordenadora do movimento e picharam suásticas e a palavra “mito” nas paredes do centro.

No dia 15/12/2022, foi assassinada Estela Vera, de 67 anos, liderança indígena da etnia guarani nandeva, na terra Ivy Katu, na cidade de Japorã, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Ela foi morta dentro da própria casa, em frente ao seu filho, que ficou ileso, mas saiu atônito e só conseguiu se comunicar com a ajuda do cacique local, que foi quem levou a denúncia à delegacia. Dois homens encapuzados a mataram, no modus operandi típico e claro da pistolagem local – compartilhado tanto pelo latifúndio quanto pelo narcotráfico fronteiriço, que em geral possuem relações, conforme abundantes denúncias.

No dia 13/12/2022, o líder camponês Raimundo Nonato Oliveira, conhecido como “Cacheado”, de 46 anos, foi covardemente assassinado pelo latifúndio enquanto dormia em sua casa, no município de Araguatins, na região do Bico do Papagaio, Tocantins. Segundo relatos de sua companheira, que presenciou o assassinato, três homens encapuzados adentraram a residência por volta da 1h da manhã e efetuaram diversos disparos contra Raimundo, que morreu na hora. O camponês lutava pela desapropriação das terras da fazenda Santo Hilário, pertencentes à União e griladas pelo latifundiário Lund Antônio Borges, e deixou esposa, filhos e netos.

Já nos primeiros dias de 2023, no dia 04/01, o camponês Patrick Gasparini Cardoso, conhecido como “Cacheado”, foi executado na fazenda Norbrasil. Patrick era morador da Área Tiago Campin dos Santos, organizada pela LCP e localizada no município de Nova Mutum-Paraná, em Rondônia (RO). Segundo a LCP, o crime foi perpetrado por forças policiais, arregimentadas como pistoleiras do latifundiário local.

Leia também: RO: Camponês da Área Tiago Campin dos Santos é executado; LCP denuncia pistolagem

Também nos primeiros dias de 2023, o Ministério da Saúde decretou, no dia 20/01, emergência pública na TI Yanomami. A grave crise sanitária foi causada pelo avanço do garimpo, atividade à serviço do latifúndio e das grandes mineradoras que buscam ouro, cassiterita e outros minérios na área. Além disso, a fim de intimidar os indígenas, grupos paramilitares a serviço do latifúndio atuam, há anos, intimidando indígenas e atacando as aldeias com armamentos de controle exclusivo pelo Exército e de uso restrito.

Leia também: RR: Velho Estado latifundiário-burocrático promove genocídio contra Yanomamis através do garimpo

Na manhã do dia 28/01, em pleno sábado, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar (PM) de Rondônia assassinou dois camponeses e levou terror a mais de 300 camponeses em um novo ataque que atingiu parte dos moradores da Área Tiago Campin dos Santos, em Rondônia. O atentado resultou em dois camponeses assassinados, Rodrigo Hawerroth (conhecido como “Esticado”), de 34 anos e Raniel Barbosa Laurindo (conhecido como “Mandruvá”) de 24, e três camponeses foram baleados (além de Rodrigo e Raniel, Kenedy também foi alvejado e levado para o hospital João Paulo II).

Leia também: Chacina em Nova Mutum/RO: Novas denúncias apontam torturas e privação de direitos durante ataque da PM

Camponeses assassinados em Nova Mutum (RO): Raniel Barbosa Laurindo (24) e Rodrigo Hawerroth (34). Foto: Reprodução

Imagem de destaque: José Inácio Guajajara e Valdemar Marciano Guajajara. Foto

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