MS: Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue avançam retomada e latifúndio responde com sequestro de indígenas e espancamento de jornalista

Indígenas Guarani-Kaiowá trancando rodovia nas proximidades de Pyelito Kue após retomada em 2014. Foto: Ruy Sposati/CIMI

MS: Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue avançam retomada e latifúndio responde com sequestro de indígenas e espancamento de jornalista

No dia 17 de novembro, os Guarani-Kaiowá da comunidade Pyelito Kue retomaram mais uma parte de seu território tradicional em Iguatemi, Mato Grosso do Sul. Dois dias depois, os indígenas passaram a ser atacados por “seguranças privados” que atuam como pistoleiros a mando do latifúndio. Já no dia 22 houve um recrudescimento dos ataques por parte dos latifundiários das fazendas Maringá e Cachoeira.

Moradores da retomada utilizaram um celular emprestado para denunciar o que está ocorrendo lá, já que não possuem acesso à internet na área. Segundo um relato, “a situação se agravou, uma família foi detida com uma mulher grávida de sete meses. Invadiram lá e estão [nos] retirando sem mandado”. A mulher Elizete Nunes Lopes e seu marido Jackson Vilhalva estavam a caminho da Aty Guasu (Grande Assembleia do Povo Guarani-Kaiowá) quando foram sequestrados e permanecem desaparecidos.

Em entrevista ao monopólio de imprensa O Globo, a liderança Guarani-Kaiowá Valdelice Veron, disse que um jornalista canadense foi a Iguatemi cobrir o caso e “foi pego pelos pistoleiros da Fazenda Maringá e está sendo espancado”. Ainda segundo ela, disparos de arma de fogo teriam sido feitos contra indígenas que tentaram intervir. Em depoimento publicado na rede social X (antigo Twitter), o jornalista, sua esposa e um outro repórter afirmam terem sido cercados por mais de 30 homens encapuzados. Os pistoleiros tomaram câmeras, passaporte e outros pertences deles. Toda a ação foi observada pela Polícia Militar e pelo Departamento de Operações da Fronteira (DOF) que não fizeram nada, segundo os depoentes.

Conflito é resultado de mais de 14 anos de enrolação do velho Estado 

O tekoha (terra tradicional indígena) Pyelito Kue compõe junto com outros oito tekoha a terra indígena Iguatemipegua I, cuja área total deveria ser de 42 mil hectares. A maioria dos descendentes dessas terras, porém, foi expulso entre os anos 1950 e 1970 da região. Eles foram obrigados a ir para a cidade vizinha de Tacuru para viver na TI Sassoró, demarcada com 2 mil hectares, porém onde os indígenas usufruem de fato de cerca de 1.930 hectares. 

Mapa com delimitação dos territórios Iguatemipegua I e Sassoró. Foto: Adaptado do Instituto Socioambiental

Em novembro de 2007, há quase exatos 16 anos, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público Federal (MPF) e a atual Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que prometia a demarcação de Iguatemipegua e outras terras Guarani-Kaiowá em até dois anos. Passado o prazo e, diante da visível inoperância do velho Estado, os indígenas adentram a área já em novembro de 2009, conforme entrevista dada ao MPF. Eles foram violentamente expulsos no mês seguinte, quando mais de 50 pessoas, inclusive idosos, foram espancadas, e um adolescente desapareceu. 

Os indígenas continuaram na região vivendo numa área de apenas míseros 2 hectares. Após diversos ataques em 2011 e uma decisão de reintegração de posse em 2012, as comunidades Pyelito kue e Mbarakay e seus 170 membros lançaram uma carta aberta em outubro que obteve repercussão nacional. Nela, diziam “não acreditamos mais na Justiça brasileira”, “não vamos sair da margem do rio” e que não tinham outra opção a não ser morrer lutando. Interpretada como um anúncio de suicídio, o texto reafirmava apenas a vinculação vital entre a terra e esse povo, que estava disposto a morrer por ela.

Mesmo com a área delimitada após estudo antropológico e relatório publicado no Diário Oficial no começo de 2013, os indígenas seguiam em situação lastimável. Denunciavam que continuavam vivendo em apenas 1 hectare e, no final do ano, afirmaram: “Nós gritamos que esgotou a nossa paciência (…). Imediatamente precisamos ocupar de volta nosso tekoha“. Os Guarani-Kaiowá afirmaram que não esperariam mais “de braços cruzados” e que “se houver algum pedido de liminar ou reintegração de posse, já vamos deixar bem claro que a guerra será declaratoriamente (sic)”. Em 2014, cerca de 250 indígenas retomaram 1200 hectares ao adentrar a fazenda Cambará. Após sucessivos ataques, um acordo permitiu que eles ficassem em 97 hectares da Cambará, a título de comodato, até decisão definitiva do processo demarcatório. 

No ano seguinte, 300 Guarani-Kaiowá adentraram as fazendas Santa Rita e Maringá, quando capangas dos latifúndios disseram que “todos seriam mortos”. Apesar de dez feridos, os indígenas conseguiram garantir a retomada. E apesar das bravatas dos pistoleiros, os Guarani-Kaiowá seguem vivos e lutando. Doze anos depois da carta interpretada como uma nota de suicídio coletivo, as ações subsequentes e a nova retomada demonstram que, na verdade, o que aquele texto afirmava e a cada dia é reafirmado não é senão a intrepidez desse heroico povo com sua persistência inquebrantável e combatividade inabalável.

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