Compartilhamos abaixo um poema escrito por Ana Nascimento, após o bombardeamento do bairro de Al-Brazil, em Rafah, e em solidariedade à luta de libertação nacional da Palestina, que serve de inspiração para a luta de todos os povos oprimidos.
Poema em Gaza
Eu nasci sob escombros
Dormi ao som de bombardeios
Explorei os subterrâneos
E cativei os meus desejos
Há em meu peito ferido
Uma parte de Gaza
Que arde e flameja sorrindo
Ao mesmo tempo que sara
Ouvi tiros ao acordar
Ouvi gritos antes de dormir
Eu vi o sol ao deitar
Esqueci da lua quando me vi
Há cem olhos em Gaza
Que me observam sem eu os ver
Há mil bocas em Gaza
Que hoje não tem o que comer
Senti o peso do concreto
Senti a poeira em meus pulmões
Em minha casa o céu é o teto
Agarrei o ar com as minhas mãos
Dormi ao som dos bombardeios
Dormi ao som dos gritos abafados
Vi a noite se transformar em dia
Com bolas de fogo incendiando o mar
A chuva branca queimou a pele
Não vejo estrelas por aqui
O céu se tornou meu horizonte
Sob o cárcere aberto eu resisti
Não há mais olhos em Gaza
Não há mais bocas famintas para alimentar
Não há sonhos incontestáveis
Não há mais ar para respirar
Embora eu tente eu não consigo
Não consigo desacreditar
Eu acredito no que vejo
E o que vejo não dá para ignorar
Enquanto dormia milhares morriam
Enquanto dançava milhares choravam
Enquanto sorria milhares sentiam
A dor do ódio e da raiva de Gaza
Há um Brasil em Gaza
Que não me deixa esquecer
O sonho de uma menina
Que não pode viver para o ter
Há um Brasil em Gaza
Sob os escombros de Rafah
Sob o cerco da morte
Do terror e da sorte
Há um Brasil em Gaza
Que não é escrito com Z
Que conhece a guerra
E desde de criança
É ensinado a combater
Caso queira viver
Há um Brasil em Gaza
Que conhece a dor e a miséria
A sede e a fome
E uma vida sem tréguas
Há um Brasil em Gaza
Que perdeu a vida antes de nascer
Que viveu para ver seus filhos morrer
Que morreu sem ter aonde se esconder
Há um Brasil em Gaza
Que grita de dor na escuridão
Que sonha com bombardeios
Mas não tem medo do trovão
Mas há um Brasil em Gaza
Daqueles que no útero resistem
Daqueles que perto da morte insistem
E teimosos que são não desistem
Que não tem medo
Não tem medo de morrer
Se a vida é a única coisa que lhes resta
O caminho da vida é lutar para sobreviver
Há um Brasil em Gaza
Que enfrenta a fome e a dor
Que encontra na guerra o calor
E só sente frio quando a vida se esvai
Há um Brasil em Gaza
De olhos semicerrados
Com a Shemagh no rosto
E com o fuzil sob túneis e buracos
Há dois Brasis
E há milhares de Gazas
Há uma Gaza no Brasil
Na vida de cada favelado
Que tem no sangue marcado
Que o teu destino não é ser mais um executado
Há uma Gaza no Brasil
Que ensina desde cedo a não aceitar
Que injustiça se cobra em vida
E não vamos morrer sem o troco dar
Israel
Imperialismo
Senhores da guerra
Conhecerão o inferno e viverão nele seus últimos dias
Sentirão na pele a fúria de gerações que serão vingadas
Sentirão o ódio encarnado em cada criança oprimida
Gaza enterrará seus últimos filhos
A Jihad é luta e também vingança
E em cada Gaza no mundo brotarão os combatentes mais aguerridos
Em cada menina palestina virá a fúria que te arrancarão as entranhas
Não é para ser bonito
Não é para ter métrica
Os poemas escritos por Gaza
São odes à guerra sagrada pela liberdade eterna
Não é para ser um gemido
Tampouco somente um grito
Que de Gaza a luta e a resistência
Arranque os grilhões de cada oprimido