ENTREVISTA: No Rio, camponeses têm que vender até seu suor para sobreviver à crise

Camponeses do Rio de Janeiro sofrem com crise, poluição e falta de incentivo financeiro. Foto: Reprodução
Camponeses do Rio de Janeiro sofrem com crise, poluição e falta de incentivo financeiro. Foto: Reprodução

ENTREVISTA: No Rio, camponeses têm que vender até seu suor para sobreviver à crise

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Submetido à carestia, com ferramentas de trabalho sucateadas, numa longa e extenuante jornada de trabalho e tendo o comércio brutalmente prejudicado conforme avança a crise econômica do imperialismo sem precedentes empobrecendo cada vez mais o povo, Luiz Sérgio luta para manter o sustento de sua família. Ele mora numa localidade afastado do centro da cidade, com uma zona rural que sobrevive ameaçada pela siderúrgica Ternium.

Nos primeiros meses de 2023, movidas pelo aumento da miséria e pobreza causadas pelo velho Estado brasileiro, como também pela opressão paramilitar em defesa da grande propriedade, milhares de famílias se mobilizaram pela justa tomada de terras para quem nela vive e trabalha, sob as bandeiras da LCP e da FNL – Campo e Cidade.

Em entrevista recente ao AND, Luiz descreveu como está a situação de sua colheita, a relação do pequeno comércio com a comunidade local, bem como implicações da presença da siderúrgica Ternium para o trabalho local e a região. Também denuncia o descaso do velho Estado e a farsa eleitoral, com intervenções feitas também por camponeses e comerciantes locais.

O estabelecimento no Brasil da empresa Ternium, antiga TKCSA, ou Thyssen Krupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (até 2017), nada mais foi do que uma cartada do governo oportunista do PT, implementada sob a tese de que o Brasil precisaria de um novo padrão de desenvolvimento para, hipoteticamente, levar a industrialização do país. Tendo como base a “Carta ao povo brasileiro”, que se comprometia com a transição gradual dos “programas neoliberais” para uma política branda e conciliadora típicas dos governos petistas, em 2010 começam então as operações da famigerada Ternium no bairro de Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro.

O resultado deste engodo vende pátria e antipovo – de suposto teor desenvolvimentista – pode ser visto nos impactos ambientais, pois o bairro é hoje conhecido pela “chuva de prata” ocorrida em 2012 devido a poluição causada pela siderúrgica e que tem provocado uma onda crescente de problemas respiratórios graves na população local. A mesma empresa, com sede em Luxemburgo, já foi processada pela comunidade, mas continua a poluir, não só o ar, como a água, o que impacta diretamente a vida e trabalho da comunidade local, principalmente os pequenos agricultores que lá cultivam muito antes de sua instalação.

Confira a seguir a entrevista:

A Nova Democracia (AND): Quais alimentos o senhor produz e vende? E quais as dificuldades principais para o agricultor na região?

Luiz (L): Eu trabalho com aipim. Um dos problemas é a chuva, que arruina minha plantação há três anos, a outra é a poluição do ar.

AND: Como está a relação entre o pequeno camponês com a comunidade local atualmente?

L: A relação é complicada. Falta dinheiro para o povo e as vendas são prejudicadas. Se eu não consigo vender, eu não como.

AND: Há alguma relação entre o senhor e a Ternium?

L: Não possuo vínculo com a siderúrgica, mas creio que a poluição afeta bastante minha vida e meu negócio.

AND: O senhor possui alguma perspectiva de mudança com relação aos partidos eleitoreiros e as eleições?

L: Olha, nenhum partido vai mudar minha situação. Teve Bolsonaro e o auxílio (emergencial), e as promessas que ele fez que o auxílio ia ser mantido em seu preço passado o ápice da pandemia, mas nos últimos meses do seu governo, o preço do auxílio diminuiu bastante. O Lula é outro, né, são todos iguais: prometem e não fazem nada. Três meses se passaram e até agora, nada mudou. Os políticos vivem no bem-bom às custas da gente, e eles não arcam com nenhum prejuízo, só nós. Meus instrumentos de trabalho, por exemplo, muito desgastados, dificultam muito o plantio. Acredito que só a luta mesmo que pode mudar nossa situação.

(Nesse momento, outro camponês, Antônio Caetano, intervém com uma denúncia política)

Antônio Caetano (AC): Tem o caso do Sérgio Cabral, por exemplo, que prometeu, se colocou como “pai do povo”, foi comprovado que ele roubou tudo o que tinha pra roubar (de dinheiro e recursos do povo), mas já está solto. Eu sou Pessoa Jurídica, e pela falta de dinheiro não tenho nem pra consertar meu carro, que é muito importante pro trabalho. Só pago o essencial, não consigo arcar com os impostos. Se a polícia me para eu levo no papo, já que essa irregularidade não é nada comparada a essa roubalheira toda.

Os políticos aparecem com esmolas, cada vez menores, e uma parcela do povo, no meio da carestia, acaba considerando o político como um salvador, mas na verdade nada melhora.

(Outro camponês, de nome Ivan, intervém em defesa da produção camponesa e do saber
comunitário)

Ivan (I): Aqui nós plantamos sem uso de agrotóxicos, senão o aipim endurece. Em relação a isso, vocês poderiam falar com o Miyata porque ele possui um ótimo conhecimento sobre agricultura. Aqui também vendemos na hora, porque vender para grandes atacadistas, como o Ceasa, não compensa. Todos os custos para se adequar à lógica do atacado são insustentáveis pra subsistência. Sobre a Ternium, há o caso do represamento de água, eles desviaram o fluxo de água de um rio, ano passado, afetando a produção ao redor. Sobre meu trabalho, espero que melhore, mas as condições são muito duras aqui. Eu tive tuberculose, e fiz tratamento por seis meses, tudo isso por conta de ter que colher aipim de madrugada, com frio e intensa chuva na região. Também com os instrumentos (de trabalho) desgastados, acabei quebrando a clavícula, mas não pude fazer fisioterapia direito, porque tinha que me manter de pé pra trabalhar e me sustentar. Sobre o sistema político, eu não voto, na verdade eu justifico porque eu não vou à minha terra pra votar se nada muda. Os políticos mal chegam aqui, mas quando chegam, só fazem promessas para pegar voto e nunca mais voltam.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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