Novo Ensino Médio: tragédia anunciada

Professores, alunos e sindicatos se mobilizam por todo país pela revogação do Novo Ensino Médio (NEM) e já marcaram um dia nacional de manifestação para 15 de março.

Novo Ensino Médio: tragédia anunciada

Professores, alunos e sindicatos se mobilizam por todo país pela revogação do Novo Ensino Médio (NEM) e já marcaram um dia nacional de manifestação para 15 de março.
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Professores, alunos e sindicatos se mobilizam por todo país pela revogação do Novo Ensino Médio (NEM) e já marcaram um dia nacional de manifestação para 15 de março. O projeto da reforma tem sido aplicado pouco a pouco desde a sua aprovação no ano de 2017, e tinha como data limite para implementação total em 2024. Chegado o ano de 2023, estoura-se a bomba e são amplamente divulgadas as matérias eletivas de “brigadeiro caseiro”, “mundo pet” e “como fazer sabonete” aplicadas nas escolas públicas brasileiras.

Enquanto o governo de Lula/Alckmin fala em “consulta pública”, e não em “revogação”, os estudantes de escola pública (85% das matrículas no Brasil do ensino médio), continuarão com o currículo do Novo Ensino Médio.

Leia também: O que pensam os estudantes sobre o Novo Ensino Médio?

Entendendo o NEM

A reforma há anos é denunciada pelo seu conteúdo reacionário (de substituir disciplinas científicas por disciplinas farsantes) e por apontar a um aumento da evasão escolar pelos filhos do povo, ao invés do seu combate, como seria a proposta demagógica.

Entre suas medidas, ampliou-se a carga horária em ensino “integral” de 800 para 1.000 horas anuais. O antigo ensino médio somava 2.400 horas nos três anos. Agora, serão três mil horas de aulas no período ao longo dos três anos.

Uma inconformidade à realidade brasileira. É assim que o NEM é considerado por profissionais da educação e estudantes por todo País. Razões para tal conclusão não faltam: o aumento da carga horária proposta, a precária estrutura das escolas públicas (com tetos, carteiras e lousas caindo aos pedaços, inexistência de materiais de informática e educação física), alimentação precárias – tudo isto somado ao fato de que uma enorme parcela da juventude brasileira tem a necessidade de trabalhar para apoiar no sustento de suas famílias.

Dentro disso, essas 3 mil horas de Ensino Médio contemplarão 1.800 horas voltadas à formação geral básica (matérias de matemática, biologia, filosofia, segundo a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, em que já foram diminuídas as cargas de matérias como filosofia e sociologia) e, no mínimo, 1.200 horas para a oferta de diferentes “Itinerários Formativos”, com “aprofundamento nas Áreas de Conhecimento e/ou Formação Técnica Profissional”.

O projeto apresenta cinco itinerários formativos: ciências da natureza, ciências humanas, linguagens, matemática e educação profissional. Esses cinco itinerários, entretanto, não serão ofertados em todas as escolas. Ou seja, os estudantes não terão acesso ao conhecimento que eles escolherem.

Além disso, o Novo Ensino Médio se configura a partir de uma estrutura elaborada com a Formação Geral Básica (FGB), das “antigas” matérias como Matemática, Biologia, etc., que oferta os componentes curriculares pautados na BNCC, e com o Itinerário Formativo (IF), contendo um “Núcleo Integrador (Eletivas e Projeto de Vida)”, além da “trilha de aprofundamento”.

Fonte: Seeduc-RJ

Brigadeiro, “pets”, e análise de raps antigos

São nessas eletivas, que não têm base ou programa algum, que foram produzidas as matérias de “Muito românticos”, “Faces do mistério”, “O que é que rola?” e “Vivendo de boa”, entre outras.

Em entrevista com o jornal Metrópoles, o estudante Richard Lacerda Sabino, 16 anos, conta que pretende estudar relações internacionais e que gostaria de cursar disciplinas que o preparassem para a graduação. No entanto, em vez de estudar áreas como línguas e história do Brasil, ele está aprendendo reciclagem.

“A escola não tem estrutura para o novo ensino médio, não podemos escolher nossas eletivas, somos obrigados a fazer as eletivas escolhidas pelos professores”, denuncia o aluno. Ele cursa o segundo ano no Centro Educacional Darcy Ribeiro, no Distrito Federal (DF), região de Paranoá.

O tema da disciplina eletiva que ficou definida para ele é “os R”: aulas que tratam sobre reutilizar, reciclar e reduzir os produtos que fazem mal ao meio ambiente. “Eu realmente acho muito importante isso ser estudado, mas queria eletivas que me ajudassem a entrar em uma faculdade.”

Uma estudante de 16 anos que não quis ter o nome divulgado contou que no Centro de Ensino Médio 1, de Sobradinho, também no DF, a direção sorteou números de 1 a 900 para os alunos. A matéria foi definida pela ordem do sorteio.

No “bingo das disciplinas” ela ficou com um número acima de 600. “A gente que pega número maior não consegue escolher as eletivas que queremos, e fica com o resto que a escola tem a oferecer”, afirmou.

Ela afirmou ao Metrópoles que gostaria de cursar disciplinas que a preparassem para entrar em Agronomia, Direito ou Psicologia na Universidade de Brasília (UnB). Se pudesse escolher, frequentava aulas de Escrita Criativa, Português e Matemática, no entanto, ela recebeu na grade curricular disciplinas como “há mais entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”, que trata de analisar letras de raps antigos.

Além das eletivas, há as “trilhas de aprofundamento”. No Rio de Janeiro, há trilhas como “cívico-militar” e “empreendedorismo”. As “trilhas de aprofundamento”, por sua vez, estão ligadas à BNCC.

A quantidade de horas passadas “estudando” essas eletivas, aumenta de ano a ano no Ensino Médio, e, no último ano, são a maioria das horas. Isso, conforme os alunos vão se aproximando dos exames para admissão às faculdades.

Fonte: Seeduc-RJ
Fonte: Seeduc-RJ

‘Notório saber’

Para cumprir com a demanda imensa de profissionais para o aumento da carga horária com diversas eletivas, trilhas e projetos diferentes, e fazê-lo não contratando mais profissionais com formações específicas, mas superexplorando os que professores já contratados, utiliza a noção de “notório saber”, fazendo com que, na prática, qualquer professor possa dar aula de qualquer disciplina.

Em entrevista ao jornal Correio da Bahia, Thalisson Andrade, professor de Física há 15 anos, conta que ensina em 20 turmas. A partir do Novo Ensino Médio, no ano passado, na escola particular em que trabalha, lecionou a eletiva Investigação Forense. Hoje, na escola pública, dá aulas de Estações do Saber e, na privada, ensina a disciplina Aprofundamento em Física para o Novo Enem.

“Se determinada disciplina tiver pouca ou nenhuma adesão, o professor, que é aulista, corre o risco de ficar sem carga horária para lecionar. Para além desse aprendizado, tivemos que criar novos materiais, planejamentos e, em alguns casos, sair totalmente da área de formação”, explica.

Já Iago Gomes relata ao Correio que dá aulas em oito turmas do ensino médio em Feira de Santana e mais três turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na rede pública. Graduado em Letras e mestrando em Educação pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), entre as disciplinas que ministra, além de História e Biologia, Iago ensina as eletivas Protagonismo Estudantil e Racismo na Escola, A Arte de Morar e Meu Eu Escritor.

Primeiro como tragédia, depois como farsa

Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, em Pernambuco, onde um modelo semelhante ao novo ensino médio já vinha sendo aplicado há 17 anos, mais de 800 mil jovens entre 15 e 29 anos não concluíram o ensino médio, enquanto aqueles que concluíram ou estão matriculados somam 341 mil. O modelo passou a ser aplicado quando Mendonça Filho era vice-governador de Pernambuco, o mesmo que foi ministro da Educação do governo Temer, na ocasião da reforma.

“Quando você fecha três turnos da escola e coloca ela em tempo integral, você tira a juventude da escola, principalmente os mais pobres que precisam ajudar a família a ter o sustento do dia a dia”, disse Araújo, também mencionando o esvaziamento do conteúdo disciplinar: “É um conteúdo completamente absurdo nas escolas, é tratar questões sérias como Filosofia, Sociologia, História e Geografia como autoajuda. Isso não pode prevalecer”.

Os verdadeiros motivos da evasão

A necessidade de trabalhar, e não problemas no currículo ou falta de carga horária, é o principal motivo apontado por jovens de 14 a 29 anos para abandonar os estudos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Educação, divulgada em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Naquele quatro em cada dez jovens que não concluíram o Ensino Médio precisaram deixar as salas de aula para trabalhar.

Segundo o IBGE, ao todo, no Brasil, 20,2% dos jovens de 14 a 29 anos não completaram o ensino médio, seja porque abandonaram a escola antes do término dessa etapa, seja porque nunca chegaram a frequentá-la. Isso equivale a 10,1 milhões de jovens. De acordo com o levantamento, quando perguntados sobre o principal motivo de terem abandonado ou nunca frequentado a escola, esses jovens apontaram a necessidade de trabalhar como fator prioritário, resposta dada por 39,1% dos entrevistados.

Tubarões

Segundo a professora e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro da Silva, em entrevista à Agência Brasil: “Nós temos, hoje, 27 Ensinos Médios pelo Brasil. Nós temos currículos com 200 páginas e currículos com 900 páginas, todos eles com assessoria privada. Este NEM é um enorme mercado que existe apenas para atender as fundações empresariais”.

Isso ocorre pois as atuais reformas do Novo Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) têm o dedo, a mão e o braço de fundações, institutos e consultorias brasileiros como Fundação Lemann (de Jorge Paulo Lemann, fundador da Ambev e um dos homens mais ricos do Brasil), Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Fundação Roberto Marinho, entre outros. Todos baseiam-se nas imposições dos organismos Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial (BM), à serviço dos interesses do imperialismo ianque para o resto do mundo, principalmente para os países dominados. Todas essas reformas se baseiam em reformas já aplicadas no Estados Unidos e que representaram rotundo fracasso, como a “Common Core”, ou “Base Comum”, durante o governo de Barack Obama, impulsionada pelo bilionário Bill Gates.

Os ataques à educação pública, gratuita e de qualidade pelo capital financeiro se dá diante dos orçamentos bilionários do Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), os quais os tubarões da educação privada já abocanham e anseiam por abocanhar mais através das “parcerias público-privadas”. Isso, além dos programas de apoio e financiamento estudantil, desde o Fies, Proies ao Prouni, passando pelo mercado do livro didático, entre outras formas de lucrar com a educação pública brasileira.

Para tornar tudo isso possível na prática, o “Movimento pela Base” (formado por todos esses institutos citados acima) e a Fundação Lemann, criam seus lobbys com diferentes grupos parlamentares. Em 2013, deputados foram “convidados” (enviados) aos Estados Unidos pela Lemann para participar do Seminário Liderando Reformas Educacionais e Fortalecendo o Brasil para o século 21, organizado pela Universidade de Yale, em parceria com a Fundação Lemann, a principal financiadora.

Enquanto sugam o dinheiro público frutos dos impostos aplicados ao povo através das “parcerias público-privadas”, criam currículos a serem seguidos nacionalmente, encabeçam e planificam reformas. Também está no seu raio de atuação a intervenção na educação em cada estado através de “parcerias” com as Secretarias de Educação estaduais e o envio de parlamentares a seminários sobre educação no Estados Unidos.

No Ensino Superior, 75% das matrículas já são em instituições privadas. Na Educação Infantil, em 2019, procurava-se privatizar cerca de 1.000 creches. Além disso, as escolas particulares movimentam cerca de 67 bilhões no Brasil.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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