PR: Cartel do transporte curitibano prejudica moradores da Vila Torres após protesto contra a violência policial

Após protestos contra violência policial, cartel de transporte altera rota de ônibus, prejudicando população.

PR: Cartel do transporte curitibano prejudica moradores da Vila Torres após protesto contra a violência policial

Após protestos contra violência policial, cartel de transporte altera rota de ônibus, prejudicando população.
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No último dia 22 de novembro, a Urbanização de Curitiba (Urbs) alterou o itinerário da linha 216 (Cabral/Portão) para que sua rota contornasse a comunidade da Vila Torres. Tal fato ocorreu após um protesto em 21/11, no qual, revoltada com mais um assassinato cometido pela Polícia Militar (PM) do Paraná na capital paranaense, a população incendiou um ônibus.

Em notícia publicada em seu portal, a Urbs alega que tal mudança se dá por “questões de segurança” [1]. Entretanto, os moradores questionam: para quem é essa segurança? Afinal, não houve nenhum ferido no protesto e com certeza a população trabalhadora da Vila Torres – que não foi devidamente avisada da mudança de itinerário e que em grande parte necessita utilizar da linha de ônibus para se locomover para seu trabalho – não é beneficiado dessa medida de “segurança”. No mesmo comunicado, a empresa faz também questão de frisar o custo financeiro do veículo incendiado, demonstrando que, na verdade, a maior preocupação da Urbs é justamente com o prejuízo causado para o cartel de empresas de ônibus que pertence à família Gulin.

Esse é o segundo Cabral/Portão incendiado na Vila Torres em 2022. O primeiro caso ocorreu após a morte de Alisson Vinícius França, em 7 de março. O jovem motoboy de 25 anos também foi assassinado pela PM, o que motivou a revolta dos moradores da região. Sua família ainda busca justiça, afirmando que, ao contrário do que alegam os policiais – sem terem provado absolutamente nada –, Alisson não estava armado e não houve confronto.

REPRESSÃO ÀS MASSAS E PROTEÇÃO AO CARTEL DO TRANSPORTE

Em abril de 2022, o Ministério Público do Paraná (MP-PR), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), divulgou um levantamento constatando que houve um aumento de mortes por violência policial em todo o estado – contabilizando ações da PM, Polícia Civil e Guardas Municipais. Em 2021, totalizaram-se 417 mortes, um acréscimo de 9,74% em relação a 2020 [2]. Ainda mais alarmante é o fato de que 62,16% dessas mortes foram de jovens de até 29 anos de idade. Em Curitiba, a PM foi responsável por 99 mortes violentas em suas operações. Todos esses índices que denotam o incremento do terrorismo de Estado não são novidade alguma e marcam o dia a dia da Vila Torres. Na capital paranaense, o modus operandi das forças policiais nos bairros pobres é o genocídio aberto contra o povo.

Leia também: PR: Moradores enfrentam a PM e incendeiam dois ônibus após assassinato de jovem de 17 anos – A Nova Democracia

Neste âmbito, a questão de “segurança” apresentada pela Urbs como justificativa para sua decisão não passa de mais um conluio entre os velhos burocratas da capital que, ao longo dos dois últimos mandatos do reacionário Rafael Greca, vêm aplicando uma política claramente higienista que entende todo o povo dos bairros pobres como “sujeira” que deve ser “varrida” do cartão postal de Curitiba. Exemplo concreto disso foi o fechamento do Albergue Boa Esperança, que se localizava numa região mais central, na tentativa de deslocar parte da população em situação de rua para bairros mais distantes. Em 2016, durante sabatina na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o próprio Greca afirmou publicamente que na primeira vez que tentou “carregar um pobre, vomitou por causa do cheiro”.

Em conjunto a tudo isso, são também impostos aos moradores da capital paranaense constantes aumentos do valor da passagem de ônibus. No último ano, com um reajuste de 22%, passou de R$ 4,50 para R$ 5,50, tornando-se o bilhete de transporte público mais caro entre todas as capitais do país. Em Curitiba, a única vez em que houve uma queda no valor da passagem foi após as vitoriosas jornadas de 2013. Entretanto, após a eleição de Greca, extorquir o bolso da população tem sido parte das políticas higienistas da Prefeitura em benefício ao cartel do transporte coletivo curitibano, pertencente à família Gulin. Durante a gestão do atual prefeito, iniciada em janeiro de 2017, a passagem passou dos R$ 3,70 ao absurdo valor de hoje, com acréscimos sendo realizados em plena pandemia de Covid-19 – na qual tais aumentos, juntos à diminuição da frota de ônibus, contribuíram para manter parte da população fora dos centros sociais e de convivência.

Rafael Greca jantando com Donato Gulin, patriarca da família que é dona de 70% das linhas de transporte coletivo de Curitiba. Registro de 2017, três dias após o anúncio de aumento do valor da tarifa de ônibus. Foto: Graciosa Country Club.

Essa série de aumentos, sem falar da recente alteração de itinerário que visa prejudicar e isolar a população da Vila Torres do Centro da cidade, apenas traz benefícios à família Gulin, que há muitos anos controla todas as linhas de ônibus de Curitiba. Em 2013, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que constatou todo o histórico de formação de cartéis nas licitações relacionadas às linhas de transporte da capital paranaense, apurando que 70% dos consórcios de ônibus eram controlados pela família Gulin. 

Isso ficou ainda mais evidente em 2016, quando implementou-se a Operação Riquixá, que passou a investigar e denunciar os membros do quadro diretivo da Urbs e do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), assim como membros da família Gulin que também integravam ambas as entidades. Tal investigação centrou-se em denunciar irregularidades na CPI feita em 2013 e falcatruas na disputa do Edital de Concorrência Pública nº 005/2009, no qual, conforme aponta o pesquisador Felipe de Souza Alves [3], o Grupo Gulin se adiantou para continuar agente majoritário do transporte de Curitiba distribuindo seus capitais nos três consórcios que dividem a cidade – Pioneiro, Pontual e Transbus. Curiosamente, “as empresas da família que compõem cada um dos consórcios possuem em comum o fato de comporem a holding GPD Serviços Administrativos LTDA que, segundo o relatório, foi criada com o intuito de administrar a atividade econômica e de licitações da família (…)” [4]. Noutras palavras, embora diferentes empresas compunham os três consórcios, todas remetiam à família Gulin.

Prefeito Rafael Greca e vice-prefeito Eduardo Pimentel ao lado do presidente da Urbs, Ogeny Pedro Maia Neto e do presidente do Setransp, Mauricio Gulin, em dezembro de 2019. Foto: Pedro Ribas/SMCS.

O que tudo isso demonstra é que as recentes decisões da Urbs – dentre as quais o abusivo aumento tarifário, retirada de linhas de ônibus, diminuição da frota e mudança de itinerário prejudicial aos moradores da Vila Torres – perpassam por uma série de interesses de grupos privados e políticos anti-povo. Mas é fato que Rafael Greca, demais corruptos da prefeitura e o restante de canalhas da velha política institucional têm que lidar sempiternamente com a desconfiança e a rejeição do povo curitibano. Na farsa eleitoral de 2020, mais de 30% dos eleitores da capital paranaense abstiveram-se – correspondendo a 407.421 dos “aptos a votar”, quase o dobro dos 211.952 em 2016 [5]. São centenas de milhares de moradores de Curitiba que já compreendem que não importa qual seja o velho burocrata sentado no Palácio 29 de Março [6], os interesses que vigoram – seja na repressão às massas ou na política de “segurança” de grandes empresas de transporte – são os dos mesmos senhores de sempre.


Notas:

[1] Urbs muda itinerário da Linha Cabral/Portão por questões de segurança. Urbs, 2022. Disponível em: https://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/noticia/urbs-muda-itinerario-da-linha-cabral-portao-por-questoes-de-seguranca. Acesso em: 29 nov. 2022.

[2] Mortes em confrontos com policiais no Paraná cresceram 9,74% em 2021. MPPR, 2022. Disponível em: https://mppr.mp.br/2022/04/24444,10/Mortes-em-confrontos-com-policiais-no-Parana-cresceram-974-em-2021.html. Acesso em: 29 nov. 2022.

[3] ALVES, Felipe de Souza. Clientelismo e desenvolvimento urbano: a consolidação de interesses privados na política pública de transporte coletivo de Curitiba. 2020. 135 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019. Disponível em: https://hdl.handle.net/1884/70007. Acesso em: 29 nov. 2022.

[4] Idem, p. 32.

[5] CASTRO, Fernando. Com 30% de abstenção, Curitiba quase dobra o número de eleitores ausentes. G1, 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/pr/parana/eleicoes/2020/noticia/2020/11/16/com-30percent-de-abstencao-curitiba-quase-dobra-o-numero-de-eleitores-ausentes.ghtml. Acesso em: 29 nov. 2022.

[6] Sede da Prefeitura Municipal de Curitiba (PR).

Imagem em destaque: Moradores da Vila Torres incendeiam ônibus após assassinato de morador pela polícia, em 22/11/2022. Foto: Jorge Prado.

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