PA: Atos condenam o golpe militar de 1964 em seus 60 anos em Marabá 

Realizou-se um debate e uma exposição temática com o tema “60 anos do golpe de 64: política e arte em tempos de regime militar”, contando com as palestras de intelectuais e militantes da região. 

PA: Atos condenam o golpe militar de 1964 em seus 60 anos em Marabá 

Realizou-se um debate e uma exposição temática com o tema “60 anos do golpe de 64: política e arte em tempos de regime militar”, contando com as palestras de intelectuais e militantes da região. 
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No dia 1 de abril, na cidade de Marabá, na região Sudeste do Pará, ocorreu o primeiro ato de uma série de atividades que marcam a condenação da passagem dos 60 anos do golpe militar-civil de 1964. De iniciativa de diferentes organizações, o evento foi realizado pelo Comitê de Apoio ao jornal A Nova Democracia de Marabá, pelas Brigadas Populares, Comuna Cepasp, e Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (SindUnifesspa). Realizou-se um debate e uma exposição temática com o tema “60 anos do golpe de 64: política e arte em tempos de regime militar”, contando com as palestras de intelectuais e militantes da região. 

O Auditório da Unidade 1 da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), com capacidade para duzentas pessoas, esteve lotado durante o evento. Estudantes dos cursos de Artes Visuais, Ciências Sociais, Direito e Pedagogia, além do público externo, presenciaram um debate que abordou o fenômeno do regime civil-militar fascista de 64 nos seus aspectos sociais, culturais, educativos, econômicos e políticos. 

A mesa foi mediada pela professora Simone Contente, coordenadora da Faculdade de Ciências Sociais (FACSAT) e representante do SindUnifesspa. A programação teve início destacando a necessidade de relembrar e atualizar esse fato da história brasileira. 

Gilberto Marques, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e representante do Fórum Amazônia por verdade, justiça e reparação, em vídeo, reivindica a responsabilização das pessoas e instituições que cometeram violações de direitos e a necessária reparação histórica. 

A questão agrária no contexto do golpe militar de 64 e na atualidade foi comentada por Thiago Broni, professor de História da Universidade Federal do Pará, que realiza pós-doutorado na Unifesspa. Broni afirma que a aliança formada entre os latifundiários naquela época, através da União Democrática Ruralista (UDR), ainda permanece como resquício daquele período. A bancada ruralista é parte dessa herança. 

A Guerrilha do Araguaia, na região chamada de Bico do Papagaio, foi apresentada desde o ponto de vista das memórias do campesinato e de povos indígenas. Naurinete Reis, do Núcleo de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (NUADE) da Unifesspa apresentou os resultados da sua tese de doutoramento sobre as consequências da intervenção militar à Guerrilha do Araguaia. O fundamento da repressão militar, a violência, o terror do estado, tanto aos militantes da guerrilha quanto às comunidades locais no período posterior, são compreendidos pelo papel estratégico que a região Sudeste do Pará tinha para o governo militar e seus projetos “desenvolvimentistas”. Explica que muitos camponeses foram torturados pelos militares sem saberem que existia a guerrilha. Da mesma forma, povos indígenas, como os Suruí Aikewara, sofreram torturas e foram utilizados para trabalho forçado. A memória da guerrilha ficou por muito tempo silenciada, sobretudo nessas comunidades locais. 

A produção cultural brasileira no período do regime militar foi o ponto de partida da reflexão de Gil Vieira Costa, com foco nas artes visuais. O docente da Faculdade de Artes Visuais da Unifesspa contextualizou a efervescência política e cultural imediatamente anterior ao golpe de 64, e a subsequente perseguição do regime a essa cultura socialmente engajada. Entre os exemplos citados, lembrou o caso do artista Lincoln Volpini, autuado e preso após ter sido premiado em um salão de arte em 1976, por sua obra ser enquadrada pelos militares como “propaganda subversiva”. Costa ainda condenou a presença, em museus, de obras que reverenciam os militares de 64 e seus projetos de “desenvolvimento” para a Amazônia. Citou o Museu Municipal de Marabá, que em sua recepção possui dois quadros de aberturas de estradas na Amazônia que homenageiam os militares Emílio Médici e Jarbas Passarinho, sem qualquer problematização por parte da expografia do museu. 

O contexto internacional de como foi instaurado o golpe militar-civil no Brasil foi denunciado por Raimundinho das Brigadas Populares. Ele lembra que era Guerra Fria e que os imperialistas norte-americanos não admitiriam que o comunismo se espalhasse pela América Latina. No Brasil, havia um caldeirão prestes a explodir. A concentração da terra, situação nunca resolvida, resultou na fundação das Ligas Camponesas do Nordeste, que exigiam uma “reforma agrária na lei ou na marra”. Relatou suas memórias de juventude, os desastres que vê resultantes dos projetos “desenvolvimentistas” para a Amazônia. “Integrar para não entregar” era uma das propagandas da época para a política de colonização. O sociólogo observava passarem pela BR-230 (Transamazônica) as levas migrantes, principalmente de nordestinos vindo, a toda sorte, em caminhões nas piores condições. Ele também fez uma calorosa saudação ao povo Palestino que demonstra nos dias de hoje que é possível enfrentar o imperialismo no mundo. 

A atividade encerrou com uma rodada de intervenções de estudantes, professores/as e militantes. Exemplares da edição 255 do jornal A Nova Democracia estiveram à venda. Muitas pessoas do público adquiriram e demonstraram interesse pela imprensa independente, popular e democrática. Nessa região, o assunto não se esgota e foi o balanço realizado nas palavras finais da mesa foi a necessidade de realizar novas atividades. 

Exposição temática “60 anos do golpe de 64: política e arte em tempos de regime militar” 

Inaugurada na Unidade 3 da Unifesspa, em Marabá, a exposição temática “60 anos do golpe de 64: política e arte em tempos de regime militar” é parte do calendário de atividades que marcam a condenação pela passagem dos 60 anos do golpe militar no Brasil. 

A mostra é composta por cartazes em diversas dimensões, que abordam desde o golpe de 1964 até a atualidade da tutela militar nos governos atuais, tidos como “democráticos”. As violações de direitos humanos, as políticas dos militares para a Amazônia, a Guerrilha do Araguaia, poemas, letras de músicas, narrativas em quadrinhos, casos como Edson Luís de Lima Souto e Vladimir Herzog são alguns dos temas abordados na mostra. A estética dos cartazes remete aos fanzines e à imprensa independente, ganhando grande destaque nas paredes da universidade. Também foram produzidas faixas sobre o tema, afixadas nas cercas externas da Unidade 1 da Unifesspa. 

A exposição é didática e voltada à itinerância em escolas e outros espaços em que houver interesse, com o objetivo de alcançar e informar o máximo de pessoas. É uma maneira de inverter a lógica proposta pelo presidente Luíz Inácio Lula da Silva, apoiado pelo ex-vice-presidente Hamilton Mourão e seus asseclas. Um dos cartazes evocou uma consigna similar à levantada no ato político de AND realizado no dia 25 de abril no Rio de Janeiro: “60 anos do golpe militar: nem esquecer, nem apaziguar! Condenar! Ontem e hoje!”. 

Um dos cartazes evoca a consigna “1964: NEM ESQUECER, NEM APAZIGUAR: CONDENAR!”. Foto: Banco de Dados AND

Memórias de 1964-1985: passado, presente e futuro em disputa 

Prosseguindo a programação de atividades de condenação ao golpe militar no Brasil, ocorreu uma roda de conversa no dia 10/04 no auditório da unidade 1 da Unifesspa. A atividade contou com a presença de centenas de estudantes dos cursos de História, Pedagogia e Geografia. 

Organizado pela Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES) -Sindicato Nacional e o SindUnifesspa, o assunto dessa vez foi sobre as memórias de 1964-1985: passado, presente e futuro em disputa. A roda de diálogo teve a mediação de Ananza Rabelo (professora do curso de educação do campo/Unifesspa) e as contribuições dos professores do curso de Pedagogia e História, Davison Alves e Janailson Macedo; da estudante de mestrado em História, Iná; novamente, com as colaborações da técnica administrativa em educação no Nuade/Unifesspa, Naurinete Reis; e, do militante das Brigadas Populares, Raimundinho. 

O professor Davison Hugo destacou sua ligação com o tema de pesquisa de sua tese. Relembra que tomou conhecimento da morte, dentro do campus da Universidade Federal do Pará, do estudante César Moraes Leite no período do regime militar e isso o inquietou. No âmbito da educação, aponta que foram vários os impactos, como os acordos MEC-USAID e a existência do projeto Rondon. Destaca o envolvimento civil e a participação das elites belenenses no golpe militar. A transição conciliada, chamada de “redemocratização” provocou brechas, o que nos faz chegar nessa situação com fragilidades. Por isso a importância de conhecer a história. Para quem se interessar em aprofundar no assunto, ele informa o sítio memorialcesarleite.com.br 

A reflexão sobre a memória se aprofunda com a exposição de Iná. Ela apresenta seu projeto de pesquisa, que ainda está no início, sobre os impactos da memória do Gabriel Sales Pimenta na luta camponesa no Sul e Sudeste do Pará. Sua hipótese é que as memórias do advogado do povo, Gabriel Sales Pimenta têm reflexos seja na luta camponesa, seja também na repressão ao povo nessa região. Nesse sentido, aponta o paradigma da hegemonia do esquecimento. Gabriel Sales Pimenta está estampado em nomes de creches, acampamentos camponeses, em obras artísticas e literárias, em um barco na orla da cidade de Marabá.  Contudo, quando a pesquisadora pergunta ao auditório se as pessoas conheciam a história de Gabriel Pimenta, poucas acenam. Então questiona: Por que a memória de Gabriel Pimenta não está sendo trabalhada? Existe um motivo, Gabriel Pimenta foi um advogado do povo e que lutou não somente contra o latifúndio, ele enfrentou o regime-militar e todo o empreendimento imperialista que queriam implantar nessa região. Então, esquecimento e impunidade caminham juntos. Não é a toa que no Brasil, o caso Gabriel Pimenta nunca houve condenação.  

A questão da resistência e o enfrentamento desse sistema é exposto por Raimundinho. Sobre a realidade brasileira, mostra que “os milicos” são golpistas por essência. Entre 1954 a 1964 houveram em torno de dez tentativas de golpe de estado. Os militares agem como se o país fosse deles e dão as cartas nele ainda hoje. Destaca que é preciso dar um basta nessa situação. Cita o exemplo da Amazônia com a sangria dos minérios pelos grandes projetos imperialistas. Não é por acaso que Elon Musk esteja intervindo na política do país ao polarizar com o Supremo Tribunal Federal e Alexandre de Moraes; ao passo que se alinha com a extrema direita bolsonarista. Os interesses de Musk vão muito além de uma possível “censura”. Ele tem interesse no mercado do lítio, vasto na Amazônia e cobiçado mundialmente, pois é utilizado em qualquer quinquilharia da tecnologia digital hoje. Ademais, a empresa de internet do Elon Musk, a Starlink já domina 90% do território da Amazônia Legal, incluindo o fornecimento para os territórios de garimpo ilegal. O palestrante aponta que o golpe ainda não foi dado porque ainda não teve o aval dos Estados Unidos. E, que precisamos desde já criar também nossas forças de resistência. Destaca a Palestina como um grande farol de luta e enfrentamento. E que vamos ainda ter que dar combate ao grande império mundial. 

Naurinete Reis, nesta fala, traz um balanço sobre a Guerrilha do Araguaia a partir das memórias camponesas e indígenas. Aborda que o campesinato tinha um papel fundamental para a guerrilha empreendida pelo Partido Comunista do Brasil nos finais da década de 1960, mas que não houve tempo suficiente para consolidar a sua formação política. Nesse sentido, questiona aos participantes, o que houve? Responde: repressão violenta. Ressalta que foram três campanhas dos militares, na qual duas foram derrotadas pelos guerrilheiros/as do Araguaia. Somente na terceira e última que os militares conseguiram exterminar completamente as forças guerrilheiras. Para isso, usaram camponeses e indígenas para desarticular as bases de apoio aos guerrilheiros. Isso foi uma política de territorialização dos militares. Muitas são as marcas da repressão na sociedade até hoje, pois o intuito dos militares é limpar os resquícios do movimento guerrilheiro. Exemplo é a repressão aos “movimentos sociais” que carrega esse estigma. Não obstante, ressalta como parte do legado da presença guerrilheira e parte da memória política do campesinato a ajuda mútua, os debates e, particularmente, que é possível se organizar, ainda que tenha essa repressão total. 

A guerrilha tem tudo a ver com o avanço da fronteira sobre a Amazônia, acena Janailson Macedo, referência na discussão sobre as relações étnicas e raciais da Guerrilha do Araguaia. Os slogans da época como “terra sem homens para homens sem terra” ocultavam as populações locais existentes como se a Amazônia fosse um grande território vazio. É o retrato da violência do estado brasileiro às populações da região. A ocupação indígena neste espaço, tem cerca de mais de dez mil anos afirma o pesquisador. O avanço da fronteira tem a ver com a territorialização militar em conexão com os grandes projetos para a região. Por isso é necessário problematizar e questionar toda a estrutura que tem herança da ditadura militar de 1964. Há uma permanência do autoritarismo. Ele relembra, a título de exemplo, que nos dois casos comentados anteriormente, a condenação ocorreu através de uma sentença internacional pela Corte Interamericana da Organização dos Estados Americanos (OEA). No caso da Guerrilha do Araguaia, ainda existem, pelo menos 60 pessoas na condição de desaparecidos políticos e que até o momento só foram localizados dois corpos. Não houve punição no Brasil e o tempo de impunidade ajuda a perpetuar a mesma lógica, de modo que pode ocorrer novamente as barbáries que ocorreram naquele período. Emblemático, o caso Gabriel Sales Pimenta, passados mais de 20 anos, o crime prescreveu. Há a conservação de uma estrutura que favorece a impunidade.  

O debate seguiu acalorado sobre os aspectos se é possível uma reforma agrária no Brasil tal como ocorreu na Revolução Chinesa, sobre as políticas imperialistas para a Amazônia e a mineração, e a questão da memória-história e os resultados práticos da luta, particularmente em função do alinhamento do governo de Luís Inácio com a alta cúpula dos generais ao ficar em silêncio na passagem dos 60 anos do golpe de 64. 

O jornal A Nova Democracia marcou presença nesta atividade, realizou intervenções propagandeando a imprensa popular e democrática, divulgou o dossiê sobre os 60 anos do golpe militar de 64, o programa A propósito, venda dos últimos exemplares da edição 255 e distribuições de edições anteriores, além de vendas de adesivos da heroica resistência Palestina. Diversos estudantes e professores declararam seu apoio a imprensa popular, democrática e independente. 

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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