A seca – fenômeno físico ou social

Acima de tudo, é necessário entender que, como a historiografia nos ensina e como se costuma dizer, o problema da falta d’água no Semiárido nordestino não é a seca, mas a cerca.

A seca – fenômeno físico ou social

Acima de tudo, é necessário entender que, como a historiografia nos ensina e como se costuma dizer, o problema da falta d’água no Semiárido nordestino não é a seca, mas a cerca.
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Não é algo fácil descrever em termos gerais e específicos os fatores relacionados à seca no Semiárido Nordestino. Vão desde condições socioeconômicas, geográficas até fatores atmosféricos. Os fatores sociais e econômicos correspondem à concentração de terras e de águas. Como terei acesso à água (da chuva ou não) se o meu terreno é pequeno demais, não sendo possível ter represas para armazenamento de água? Ou seja, são os sertanejos mais humildes que sofrem com a seca. Além desse fator humano, temos os fatores físicos e naturais que provocam a precipitação irregular no Semiárido, como a sua posição geográfica, ou seja, o relevo, o arranjo da sua superfície e os sistemas de pressão atuantes na região.

Euclides da Cunha (1983) mencionou em Os Sertões que o Sertão do Norte é a contradição antagônica dos extremos climáticos, pois, em um dia pode ser estéril, mais seco do que o deserto, e, no outro, nas suas quadras chuvosas, pode amanhecer “maravilhosamente exuberante”. Logo, concluímos que há uma intensidade e uma irregularidade na distribuição das chuvas e das terras, ou seja, o problema é a concentração fundiária e de águas. Assim, a seca se revela como fenômeno social, e o fator natural contribui apenas para a ampliação do problema. 

Sem dúvida, se percebe que a irregularidade de distribuição das chuvas faz confluência com a irregularidade de distribuições das terras. Desse modo, a chuva não é para todos. No Semiárido, ela será “maravilhosa” e dual: molha, exuberantemente, a sua quadra; mas mede a propriedade e o poder de monopólio de bens materiais ou naturais.

A seca se torna um problema grande e de difícil resolução quando a população sertaneja (seja ela camponesa, indígena ou quilombola) de origem simples não tem recursos financeiros e de conhecimento. Além disso, não tem apoio do poder público para amenizar as dificuldades encontradas devido à falta de acesso à terra e à água. Inegavelmente, posso dizer que já resisti à seca e aos flagelos climáticos, econômicos e sociais da região do Agreste de Pernambuco. As estiagens prolongadas, popularmente chamadas de “secas brabas”, sempre foram uma dificuldade na vida dos camponeses da região e sempre afetaram a minha família. 

No período da estiagem, o que resta é a água barrenta no meio dos açudes, a salobra que fica no meio do leito dos riachos e rios. Os açudes secam, forçando o deslocamento para áreas distantes – os brejos, conhecidos como “terras altas”, onde tem nascentes com água potável e uma possibilidade diversa de sobrevivência. Lembro-me de ver os meus vizinhos se mudando, levando o gado, rezando dia e noite para cair uma gota d’água; até eu rezava!

Na “seca braba”, não tem como plantar, o solo fica seco e pobre – estéril. A alimentação fica escassa nesses períodos, restando, muitas vezes, opções da própria fauna e flora da Caatinga. As primeiras chuvas de março dão sinal de “bom inverno”. E, quando elas não chegavam… Nossa! Eu tinha que acordar de 4h da manhã e andar a pé em torno de 10km² atrás de água. Essa dificuldade era maior, pois a minha família não tinha transporte (carro de boi ou carroça) que pudesse fazer o deslocamento, da minha casa ao local onde podia abastecer os nossos baldes e latas. O Sítio tem uma localização ruim, por ficar longe dos riachos, rios e açudes. E o sofrimento não acabava… Depois, vinham mais 8km² para ir à escola. Para lavar roupa, era o dia todinho fora de casa, pois a estrada era “grande e longa”. Sou sobrevivente das secas do Nordeste brasileiro e estou aqui relatando para vocês a minha vivência com muito orgulho e força.

A ciência geográfica e a compreensão materialista da realidade me possibilitaram o acesso ao conhecimento, diferente da grande maioria do povo brasileiro que é condicionada à ignorância sobre o mito da seca. Na maior parte do município de São Caitano, especificamente na zona rural, onde eu nasci e morei até os meus 19 anos, há irregularidades das precipitações anuais; a chuva faz uma assimetria por lá: aqui chove, ali, não. Devido a origem camponesa, isso me levou a ser uma pesquisadora do problema agrário, especificamente, o nordestino, em busca de respostas para os meus porquês. Como resultado, discuti a problemática da seca (do acesso à terra e à água) no meus livros A renda fundiária na transposição do Rio São Francisco” (2021), publicado pela editora índica,  e A Jitirina Poética (2023), pela editora Toma Aí Um Poema. Senti-me realizada em poder dar, por ora, esta contribuição ao meu povo.

Segue algumas citações dos livros: 

A transposição do “Velho Chico”, 

Tão esperada que imensa fosse

Revisitou a história do Brasil desde Dom Pedro II,

Em vários momentos políticos ela foi a salvação

Uma enganação! 

Passaram-se 100 anos e nada! 

Viu?! Negócio de rosca!

O lema sertanejo: “SÓ PLANTO SE CHOVER AMANHÃ!”

Assim, noticiou-se o mito da seca no Nordeste 

(MELO, 2023, p. 52).

A alimentação era um pouco complicado. Porque não tinha água no Rio Paraíba e você ia levando como desce. Como desce. Para enfrentar as dificuldades que sempre existiu na vida como nordestino, do agricultor. Mas a gente mora em um lugar ainda muito bom. Porque tem esse rio, né. Basta colocar uma cheia que fica de cinco a seis meses trabalhando. TRECHOS DE ENTREVISTA (MELO, 2021, p. 230). 

Essa realidade apresentada por um camponês do Alto Paraíba, no trecho da entrevista que foi apresentado logo acima, se percebe que na região do cariri os camponeses que moram nas margens dos rios intermitentes têm um tempo limitado para desenvolver a produção agrícola durante o período das chuvas. Quando se prolongavam os períodos das estiagens, não tinha como produzir da mesma forma. Claro, considerando, esse histórico é antes de chegar a água da transposição do Rio São Francisco, no Rio Paraíba, no ano de 2017.

Lembrando: a quantidade de medida do hectare da propriedade da terra, capital variável despendido, aliado ao fator localização, será determinante para dizer o quanto uma pessoa (ou família) sofrerá com os prejuízos de uma seca no Nordeste brasileiro.

É bom ficar claro algumas questões aqui, se uma pessoa tiver uma propriedade nas margens dos rios e condições financeiras para investimento os prejuízos são menores. Para aqueles que moram distante dos rios, a situação é mais dramática. Ao ter capital e podendo ser aplicado corretamente, considerando a singularidade de cada local, vence diversas barreiras de localização. Quando não, a geografia termina atrapalhando um pouco a vida do povo. Talvez, por isso, se criou o mito de que é necessário “derrubar o Planalto da Borborema”, como se o fator fosse somente o físico, sabemos que não é. Sendo assim, na Zona da Mata nordestina, os camponeses não seriam pobres, mesmo tendo uma localização e fertilidade a seu favor, assim, como a precipitação, maiores e bem distribuídas no ano todo. Mas o que impede, então, o desenvolvimento do campo na Zona da Mata, o não acesso à terra. Desse modo, se percebe que o fenômeno da seca se esbarra na monopolização da propriedade privada da terra e da água.


Esse texto expressa a opinião do autor.

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