Invasão Zero: organização latifundiária da guerra pela terra no Brasil

Movimento Invasão Zero declarou guerra aos povos do campo ao mobilizar 200 latifundiários para invadir terra indígena e assassinar Nega Pataxó no dia 21 de janeiro.

Invasão Zero: organização latifundiária da guerra pela terra no Brasil

Movimento Invasão Zero declarou guerra aos povos do campo ao mobilizar 200 latifundiários para invadir terra indígena e assassinar Nega Pataxó no dia 21 de janeiro.
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Uma organização paramilitar de latifundiários de extrema-direita estruturada em âmbito nacional declarou guerra aos povos do campo. Esta organização, coordenada por um grupo de destacados latifundiários e fundada sob o aval de Jair Bolsonaro e Ricardo Salles, avança pelo Brasil cometendo crimes contra camponeses, indígenas e quilombolas. Tudo isso com o apoio de parlamentares, amparo das forças repressivas do Estado e absoluto silêncio da “justiça”. Trata-se do movimento “Invasão Zero”, responsável pelo assassinato de Nega Pataxó no ataque contra a Terra Indígena (TI) Caramuru-Catarina Paraguassu no dia 21 de janeiro, avança com rédeas soltas no interior do País. Apesar de ter ganhado notoriedade nacional no final do mês último, o movimento não é de todo recente, e nem se trata de um fenômeno isolado. 

Fundado em março do ano passado, o Invasão Zero já conta com atuação em centenas de cidades através de núcleos regionais, todos voltados à promoção de ações militares assassinas contra os que lutam pela terra. Formalmente, o grupelho Invasão Zero busca se apresentar como “um movimento de produtores rurais da Bahia e do Brasil”. Determinadas lideranças do grupo, como o empresário e latifundiário Luiz Uaquim, e a filha do político baiano Osvaldo Souza, Dida Souza, são publicamente conhecidas. Mas apesar dessas aparências, as ações recentes comprovam, por parte do grupo, o uso de táticas criminosas da pistolagem, promovidas Brasil afora por grupos paramilitares bem organizados.

Foi assim no dia 21 de janeiro, quando 200 latifundiários organizados pelo Invasão Zero invadiram a TI Caramuru-Catarina em uma operação conjunta com a Polícia Militar (PM) para expulsar os indígenas do território em que viviam. Segundo relatos, a PM deu cobertura aos latifundiários ao verificar, antes, se os indígenas estavam armados ou não e permitir a entrada livre dos latifundiários no território, apesar da constatação imediata de que os grandes fazendeiros e seus sicários estavam armados. Depois da invasão, uma investigação de perícia constatou que a bala que atingiu Nega Pataxó foi disparada da arma do filho de um latifundiário, presente no ataque. José Eugênio Amorim, 20 anos, é apontado como autor do disparo que matou a liderança indígena. Já o policial militar da reserva Antônio Carlos Santana Silva, 60 anos, disparou contra o Cacique Nailton.

De acordo com Cacique Nailton, uma das lideranças alvejadas pelo bando latifundiário, “foi tão planejado que sábado a polícia esteve na área, espancou alguns índios, tomou todos os celulares dos índios que se encontravam lá, já premeditando que os índios não iam filmar essa ação do dia seguinte. Foi tudo controlado junto, participado junto pelos fazendeiros, milicianos e polícia militar”, afirmou o Cacique Nailton em um vídeo veiculado pela organização Teia dos Povos. 

Primórdios: Intimidações e vínculos com a PM

O caso da operação militar realizada contra os Pataxó representa um desenvolvimento nas ações do Invasão Zero. Antes, o grupo já era conhecido por ações de intimidação e cerco contra camponeses em luta, mas nunca havia realizado, de fato, uma operação de invasão e assassinatos, como foi a do dia 21 de janeiro.

Em entrevista ao programa A Propósito, de AND, o comunicador popular e integrante do Teia dos Povos, Erahsto Felício, afirmou que “a gente conhece essa organização Invasão Zero. Ela já teve em Santa Luzia, já ameaçou atacar a Serra do Padeiro, que é um território indígena de Olivença… na cidade de Santa Luzia, que é ali bem pertinho de Arataca eles investiram contra o MST. Mas, de fato, eles sempre ameaçavam de matar, fazer isso, mas estavam evitando, eu acho, um processo de conflito muito aberto. No caso, lá [na TI Caramuru-Catarina], eles não fizeram isso”. 

O caso de Santa Luzia referido por Erahsto é, na verdade, uma das primeiras ações do grupo Invasão Zero. Foi ali, na fazenda Ouro Verde, em março de 2023, que latifundiários organizados no Invasão Zero agiram pela primeira vez. No caso, o embate foi entre os bandos dos grandes fazendeiros e famílias camponesas vinculadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que ocuparam o latifúndio. Em abril, o Invasão Zero cercou famílias do MST em uma área destinada à reforma agrária. Eram os primeiros passos do grupo que começava a dar sinais de sua declaração de guerra aos povos em luta pela terra no País. 

Como parte desses preparativos para desencadear uma guerra aberta contra os camponeses e indígenas em luta, os latifundiários buscaram desde o início estabelecer relações sólidas com as forças repressivas do Estado. Nas primeiras ações feitas contra as famílias ligadas ao MST, o líder do grupo, Luiz Uaquim, afirmou em grupos do Whatsapp que “o batalhão de Jequié de Polícia está sendo mobilizado junto com produtores para amanhã de manhã fazer a retirada dos ‘invasores’. Esse é o planejamento que está sendo montado”, detalhou Luiz Uaquim, líder central do grupo, em um áudio no Whatsapp

Com CPI do MST, organização militar do latifúndio deu um salto 

Esse vínculo com a PM foi fundamental para fazer avançar as capacidades de operação do grupo. Com os bandos mercenários armados e a base sólida nas forças oficiais do Estado, o Invasão Zero já tinha o caminho traçado para sua própria imposição e exercício do poder por meio das armas. 

Para coroar esse processo, o movimento estabeleceu alianças também em outras esferas do velho Estado, notadamente no parlamento. Originado justamente no período em que, no Congresso, se instalava a CPI do MST, o movimento usou a comissão como uma base de salto para sua relação com a política oficial. O deputado federal e presidente da comissão, Luciano Zucco (PL-RS) foi um dos que ficou próximo do movimento. 

Além das relações, a CPI favoreceu os latifundiários e seus representantes. Instalada pelos mandatários dos maiores latifundiários exploradores do povo e ladrões de terra, o governo federal não realizou nenhuma resposta contundente. Seja a instalação arbitrária, os ataques deliberados à luta pela terra nas sessões do parlamento ou as visitas vexatórias e humilhantes feitas pelos esbirros da comissão às áreas camponesas de todo o Brasil, a CPI escancarou que o governo não atuaria de forma alguma na defesa dos camponeses em luta pela terra e contra as ações do latifúndio contra essas famílias. 

Ao mesmo tempo em que os parlamentares buscaram intimidar os camponeses e suas lideranças – e eram rechaçados e escorraçados no processo pelas famílias em luta –, os latifundiários avançaram com suas ações e relações. No período da comissão e imediatamente posterior, o Invasão Zero conseguiu aumentar suas bases de operação, e atingiu, já naquela época, ao menos nove estados e 200 cidades, organizadas por meio de 16 núcleos regionais.

Guerra declarada 

O histórico do Invasão Zero aponta que, na verdade, o condenável acontecimento no território Pataxó foi a culminação de uma declaração de guerra há meses cozinhada. É fato sabido que a luta pela terra está em crescente agudização há anos no País. Em regiões como Rondônia e Mato Grosso do Sul, grupos de caráter similar ao do Invasão Zero já haviam sido desmembrados. 

Em Rondônia, um grupo chegou a ser exposto em operações do próprio Estado, depois de anos de denúncia dos camponeses da atuação de policiais e pistoleiros em grupos coordenados por latifúndios. Na operação que revelou o caso, realizada em 2022, foi registrado que policiais militares, policiais civis e delegados atuavam no grupo pistoleiro coordenado pelo latifundiário conhecido localmente como Galo Velho. 

Um ano antes da operação revelar o que os camponeses já sabiam há anos, a mesma tropa mercenária participou de uma operação de guerra empenhada pela Polícia Militar de Rondônia contra a Área Revolucionária Tiago Campin dos Santos, em Nova-Mutum Paraná.

A operação fez parte das verdadeiras batalhas pela terra que ocorreram em Rondônia entre os anos de 2020 e 2021, na Área Revolucionária Tiago Campin dos Santos e no Acampamento Manoel Ribeiro. O ano e os eventos que ocorreram na região, referidos até mesmo em uma live pelo então presidente ultrarreacionário Jair Bolsonaro, foram uma viragem na agudização da luta pela terra no Brasil. 

Não era de se esperar que uma articulação de milhares de latifundiários, conhecidos desde as primeiras aparições pelas ações violentas e vínculo com as tropas repressivas, se desenvolvesse em algo diferente de uma organização paramilitar em guerra aberta com os povos do campo. 

Não é de se esperar, também, que o caminho da luta pela terra no País vá seguir alguma tendência diferente desta daqui para a frente: com os latifundiários em guerra e o governo inoperante no combate ao latifúndio e na entrega de terra aos camponeses e indígenas, poucas opções restam aos camponeses, indígenas e quilombolas. Uma delas foi levantada no ano passado por organizações como a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), que convocou abertamente os povos em luta pela terra a armarem grupos de autodefesa para defenderem-se dos bandos armados do latifúndio. 

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