Maria Alice Barroso: uma militante da pena e do talento

Maria Alice Barroso: uma militante da pena e do talento

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Maria Alice Barroso, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1926. No entanto, sempre fez questão de colocar em todas as suas biografias lançadas no Brasil e no exterior que nasceu na pequena Miracema, região Noroeste Fluminense. Fazia, com isso, o percurso inverso de muitos que nascem no interior e se esquecem do seu torrão ao alcançar alguma visibilidade [1]. Foi  diretora do Instituto Nacional do Livro, da Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional.

Em 1967 publicou o romance Um Nome para Matar, inaugurando a pentalogia do Ciclo Parada de Deus, obra que lhe rendeu o prêmio Walmap daquele ano após a avaliação de uma banca julgadora composta por Guimarães Rosa, Jorge Amado e Antonio Olinto. Em 1989 ganhou o Prêmio Jabuti com a quarta obra ambientada em Parada de Deus, intitulada A Saga do Cavalo Indomado. Nélida Piñon, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (ABL) e amiga pessoal de Maria Alice Barroso, comparava a criação do fascinante povoado de Parada de Deus à de Macondo por Gabriel Garcia Márquez. Falava ainda que o Brasil devia à Maria Alice Barroso o reconhecimento por ter construído um mundo ficcional com vigor e sabedoria narrativas e da necessidade de recuperar e difundir sua obra [1].

Os Posseiros: a luta pela terra no Brasil

O romance de estreia de Maria Alice Barroso foi Os Posseiros publicado em 1955, e totalmente custeado pela autora. No prefácio à 2a edição da obra, publicada em 1986, a escritora diz: “Jorge Amado, meu vizinho para quem eu era uma ilustre desconhecida, chamou-me a sua casa, após a leitura do livro: tinha gostado de fato. Mais adiante foi ele, Jorge Amado, que mandou um exemplar para a União Soviética, com as melhores recomendações . O livro foi traduzido, com o título No Vale da Serra Alta, merecendo uma edição de 600 mil exemplares.” Continuando a escritora conta sobre a inspiração para a obra: “A história dos posseiros de Serra Alta se repete por todo o Brasil: eu a vi acontecer, há um punhado de anos, perto de Governador Valadares, Minas Gerais. Porém com algumas variáveis – que não chegam substancialmente a transformá-la numa outra realidade – ela continua a se repetir por todo o Brasil. Vale a pena conhecer o problema, com a história contada do ponto de vista dos posseiros. Os grileiros já têm muitos e atuantes porta-vozes.” Ainda neste prefácio a autora avaliou: “se literariamente já posso encarar, com alguma tranquilidade, os acertos e os equívocos cometidos há trinta anos, do ponto de vista ideológico, nada mudou” [3].

O livro narra a trajetória de Zé Severino que fugindo da seca que afligia a Bahia migrou para Minas Gerais em busca de melhores condições de vida para sua família. Após várias tentativas frustradas de conseguir algum trabalho, sem dinheiro e sem comida, chega ao Vale da Serra Alta e ergue em terra devoluta e improdutiva um barraco, iniciando a lavoura. Outras pessoas foram chegando e se juntando a Zé Severino. Com muito trabalho e paciência dos camponeses, aquela terra arrasada ressuscitou mandando para bem longe a fome que um dia os assombrou. Um dia chega na cidade um ricaço estrangeiro amigo do governador se dizendo dono do Vale. Com a ajuda do prefeito, do delegado e do padre traçou o plano para expulsar Zé Severino e os outros da terra. Mas os camponeses decidem resistir e lutar por seu pedaço de chão.

Antonio: braços e pontaria sem receber tostão

Um dos principais personagens de Os Posseiros é Antonio dos Santos, jovem   recém chegado ao Vale vindo de Belo Horizonte que oferece braços e pontaria para ajudar os camponeses na luta pela terra. Um dos filhos de Zé Severino, desconfiado da história contada por Antonio pergunta sem rodeios o que afinal ele estava fazendo ali. O forasteiro responde: “Se eu te dissesse, Zequinha, que existem homens, muitos homens preocupados com a sorte de vocês, homens do campo, você me acreditaria? (…) Se eu te dissesse que existem homens que vão para a prisão, que apanham da polícia apenas porque querem dar uma vida mais feliz a vocês, distribuindo a terra por igual entre todos os camponeses, você me acreditaria? (…) Esses homens estão espalhados pelo mundo todo. Desde a China até aqui, no Brasil, você poderá contar com eles, pois estão sempre ao lado dos pobres, dos oprimidos e dos injustiçados. (…) Eu sou um desses homens. E por isso estou aqui para lutar com vocês. Preciso explicar mais alguma coisa?” [3]

Após conquistar a amizade e confiança de Zé Severino, Antonio é apresentado em reunião aos outros camponeses como membro de um Partido que luta contra os coronéis, a polícia e o governo. Ao saberem disso, os posseiros com uma risada de satisfação constataram que Antonio era um deles e sua presença trouxe uma sensação de paz e segurança a todos.

A atualidade de Os Posseiros

Em um trecho do livro, Maria Alice Barroso fala do sentimento de cooperação entre os camponeses expressados por meio de “(…) amizade pura e leal que os mantém unidos, colaborando uns com os outros, sem invejas, sem rixas. A terra dividida ensina-os como serem úteis à coletividade e de que a terra pertence a todos que nela vive e trabalha.” [3]

Escrito há quase 70 anos a obra ainda é atual, constituindo-se em retrato da situação do campo brasileiro marcada pela violência dos latifundiários e Estado contra os camponeses pobres sem terra ou com pouca terra. A luta dos posseiros do Vale da Serra Alta é a mesma levada a cabo por outros camponeses Brasil afora como em Canudos, Contestado, Trombas e Formoso, Pau D’arco, Porto Velho, Marabá, Corumbiara, Anapu,  Norte de Minas, Abunã e  Araguaia.

O Noroeste Fluminense tão bem retratado por Maria Alice Barroso nas obras do Ciclo Parada de Deus continua sob o jugo de latifundiários. A política local se baseia no coronelismo, clientelismo e mandonismo. Mas mais cedo do que tarde as massas populares irão se mobilizar e se organizar e nesse dia todos os crimes cometidos pelos coronéis contra o povo ao longo de anos e anos de exploração, subjugação e humilhação serão cobrados como se tivessem sido praticados na véspera.

Parafraseando Maria Alice Barroso, depois de um primeiro brado de revolta dos camponeses e trabalhadores contra o domínio dos coronéis e dos ricos outros brados ressoarão pelo campo afora fazendo luz onde outrora só existiam trevas.

Maria Alice Barroso faleceu em 12 de outubro de 2012 na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais.


Frank Calafate é filho de camponeses. Acredita que a educação, a ciência e artes são armas cujo efeito depende de quem as empunha e de quem é atingido por elas. Assim, professores, cientistas e artistas são soldados combatentes nas linhas avançadas de fogo.

Referências Bibliográficas

[1] SCHMIDT, A.L.L.C.; MELLO, A. ; FINAMORE, L. B. ; LANES, L. ; SOARES, T. . MARIA ALICE BARROSO, UM NOME PARA LEMBRAR: a identidade regional de uma autora nacional. 1. ed. Rio de Janeiro: Autografia, 2019. v. 500. 210p .

[2] SOARES, T. A. S., SCHMIDT, A. L. L. C., Os Posseiros: uma literatura de engajamento social nos anos 50, do século XX. In: MARIA ALICE BARROSO, UM NOME PARA LEMBRAR: a identidade regional de uma autora nacional. 1. ed. Rio de Janeiro: Autografia, 2019. v. 500. 210p .

[3] BARROSO, M. A. Os Posseiros. 2a ed. rev. Rio de Janeiro: Record, 1986.

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