Sionismo aferra as garras sobre a América Latina

Publicamos um importante artigo de Henrique Júdice, acerca do avanço ideológico e político de organizações sionistas sobre a América Latina.

Sionismo aferra as garras sobre a América Latina

Publicamos um importante artigo de Henrique Júdice, acerca do avanço ideológico e político de organizações sionistas sobre a América Latina.
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No último dia 3, a prefeitura do Rio de Janeiro se tornou a primeira esfera de governo no Brasil a aderir à definição de antissemitismo promovida pela Aliança Internacional pela Recordação do Holocausto (IHRA na sigla em inglês). Tratam-se – a definição e a IHRA – de instrumentos do ocupante sionista da Palestina para censurar e perseguir quem denuncia suas atrocidades contra o povo árabe daquela nação.

Segundo a IHRA, caracterizam antissemitismo os “ataques ao Estado de Israel, concebido como coletividade judaica”, “alegar que a existência do Estado de Israel é um empreendimento racista” e “fazer comparações entre a política atual de Israel e a dos nazistas”, entre outras coisas.

Que Israel é um Estado judaico e só confere direitos de nacionalidade e autodeterminação a pessoas dessa religião ou origem, o diz uma de suas 14 leis básicas. Não faltam, dentro e fora de suas fronteiras, judeus que se opõem a seus crimes, a essa autocaracterização ou até à sua existência: nos EUA, 500 deles, incluindo 20 rabinos, foram presos em 19/10 por protestar contra o genocídio de Gaza e exigir o fim do apoio do país a Israel. Associar automaticamente todo judeu aos crimes de guerra cometidos na Palestina ocupada é, pois, tão errôneo como tachar todo alemão de nazista. Mas é um contrassenso o sionismo acusar de antissemita quem assimila a equiparação forçada que ele mesmo promove entre o judaísmo e a entidade estatal criada em 1948.

Por mais que a IHRA classifique tal documento como “juridicamente não vinculante”, ele passa a nortear a atuação dos governos que o subscrevem. Seis dias após Eduardo Paes assinar a adesão do Rio, a polícia da cidade de Buenos Aires – que também o adota – , bateu à porta da casa de um idoso de 74 anos, Omar Asad, argentino de origem árabe e fé islâmica, para intimá-lo pelo crime de discriminação. O motivo? Um cartaz em sua varanda, no qual se lia: “Fora Sionistas da Palestina. Isso não começou em 07/10. Hitler ficou pequeno.” Horas depois, a casa foi marcada com tinta.

Elos fracos

Dos 35 países membros plenos da IHRA, o único latino-americano é a Argentina; entre os 9 observadores, estão o Uruguai e, graças à subserviência de Bolsonaro a seus patrocinadores sionistas, o Brasil – que não subscreve, contudo, seu conceito de antissemitismo. Guatemala e Colômbia, que não integram a organização, o incorporaram sob recentes governos de ultradireita.

Nenhum país da Ásia ou da África integra a IHRA, e apenas Coreia do Sul e Filipinas (entrepostos militares dos EUA) endossam essa definição. Menos permeáveis à influência da Europa e dos EUA do que nós latino-americanos, e tendo vivido holocaustos coloniais mais recentes que os nossos, os africanos e asiáticos não são de importar culpas alheias. Nem parecem dispostos a aceitar a caracterização do genocídio de judeus europeus na década de 1940 como “sem precedentes”, também promovida pela IHRA e que só pode ser vista como escárnio em países como Vietnã e Congo-Kinshasa. (Enfatizar a identidade entre a violência racista nazi e a neocolonial, apelando retoricamente à solidariedade entre as respectivas vítimas, seria uma forma mais factível de atuação junto a esses povos; mas, embriagado por seu próprio racismo, o establishment sionista só sabe exigir etiquetas de exclusividade para os judeus, no privilégio ou na dor).

A revigorada consciência anticolonial afro-asiática e o crescente repúdio aos crimes de Israel entre a opinião pública – inclusive judaica – estadunidense e europeia tornam a América Latina (mormente Argentina, Uruguai e Brasil, nesta ordem) o elo fraco para as manipulações israelenses. Completam o quadro a influência que os EUA têm aqui e o peso das igrejas pentecostais sionistas

Em nível comunitário, a adesão às posições do Estado de Israel é avassaladoramente maior entre os judeus desses países que entre os do Atlântico Norte e as instituições judaicas tradicionais viraram  correias de transmissão de Tel-Aviv. Mesmo entre os posicionados à esquerda em outros temas, predomina, no Brasil, a tendência a endossar os crimes de Israel. Na Argentina, há uma organização crítica à ocupação além-fronteiras de 1967 (o Chamamento Argentino Judeu), mas sem a dimensão nem o posicionamento antissionista da estadunidense Voz Judia pela Paz (JVP).

Em nível estatal, a Bolívia rompeu relações com Israel; Belize as congelou; Honduras, Colômbia e Chile tiraram de lá seus embaixadores; mas o suposto líder natural, o sedizente farol dos direitos humanos e o pretenso país-modelo do continente balbuciam equilibrismos e prendem seus próprios cidadãos sob falsas acusações de integrar o Hamas (Brasil) ou o Hezbolá (Argentina). O lobby sionista, que neles finca raízes cada dia mais profundas, só aceita, todavia, sujeição total, como mostram os embaraços impostos pelo governo de Israel à saída dos brasileiros que viviam em Gaza e as provocações de seu embaixador, Daniel Zonshine, ao governo federal.

Já a Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA) exige do governo de seu país que censure e eventualmente prenda o cantor antifascista Roger Waters, alvo de campanha difamatória por seu apoio à causa palestina. Hoteis de Buenos Aires e Montevideo acabam de cancelar as reservas dele e de sua equipe, colocando em risco os shows agendados nessas cidades.

Mentes, armas e algemas

Paes firmou a adesão do Rio ao conceito de antissemitismo da IHRA junto a André Lajst, presidente da sucursal brasileira da Stand With Us (“Fique ao Nosso Lado”, na tradução que não fazem), uma das mais agressivas organizações sionistas dos EUA. Presente aqui desde 2017, ela planeja sua expansão para a Argentina e o Chile, único país sul-americano onde a comunidade árabe palestina é mais forte que a judaica.

A pretexto de conscientizar sobre o antissemitismo e ensinar sobre o assassinato em massa de judeus pelo regime nazista da Alemanha, a Stand With Us faz propaganda israelense para públicos diversos, sobretudo estudantes, professores e jornalistas. Promove também sua cooptação mediante bolsas e cursos que os levem a “defender esse Estado e promover uma mudança de mentalidades dentro do ambiente acadêmico”.

Em seu relatório de 2022, a organização informa “sua primeira parceria institucional e educacional com as Forças Armadas do Brasil, encabeçada pelo grupo de estudos Geopolítica Aeroespacial, da Força Aérea Brasileira (FAB)”, por meio de um curso ministrado por Lajst, pós-graduado em Contraterrorismo e Segurança Nacional pela Centro Interdisciplinar de Herzliya (atual Universidade Reichmann), um dos ninhos da direita belicista de Israel. Segundo o mesmo relatório, a Stand With Us também começou a “estreitar laços com a Escola Superior de Guerra (ESG) e com a Escola Superior Naval (ESN).” 

As FFAA têm critérios insólitos para escolher seus parceiros: em 1981, Israel matou, por intoxicação radioativa, o cientista José Alberto Albano do Amarante, tenente-coronel da FAB que conduzia uma pesquisa nuclear conjunta com o Iraque. Trata-se do militar brasileiro de mais alta patente morto por um Estado estrangeiro desde a guerra do Paraguai.

Essa aproximação é indissociável da recente hegemonia do lúmpen frotista sobre elas: em seu manifesto golpista de 1977, Sylvio Frota, o general que dá nome a essa facção, acusava Geisel de marionete dos comunistas pelo voto favorável do Brasil à Resolução 3379 da ONU, que reconhecia o cunho racista do sionismo. Dúvidas sobre o caráter do Estado de Israel podem ser esclarecidas também pela qualidade de seus aliados.

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