Editorial semanal – Salvar como, qual democracia?

Editorial semanal – Salvar como, qual democracia?

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Foto: Banco de Dados AND

A última pesquisa Datafolha (20/10) registrou um empate técnico entre o ultrarreacionário Bolsonaro e o pelegão Luiz Inácio (45% contra 49%, respectivamente). Em polvorosa se encontram os oportunistas, revisionistas e todo o monopólio de imprensa da direita liberal, clamando – aberta ou subliminarmente – para que as massas populares subscrevam o “pacto nacional para salvar a democracia” velha, elegendo o petista. E a maioria do povo pobre e até setores médios, esmagados todos, respondem-lhes: “Salvar o quê? Como?”.

Sim. As massas populares profundas não experimentaram a democracia, tantas vezes enunciada em declarações puxadas pela Fiesp-Febraban, sob as trombetas da Rede Globo e com os suspiros admirados dos oportunistas e revisionistas da falsa esquerda eleitoreira. Repetimos: tal palavra é um conceito vazio, os gritos sobre a ameaça contra ela não comovem os rincões das metrópoles e do país. E não é que os dois terços da população que não pretende votar em Luiz Inácio estejam indiferentes ou apoiem, em sua totalidade, o regime militar. Ainda que estejam remoendo ressentimentos pelos ataques atrozes de Bolsonaro e dos antecessores contra os direitos democráticos e seus interesses fundamentais (fazendo seus cálculos, e cobrarão caro!), as massas não enxergam na velha democracia um veículo de seus interesses, mas, ao contrário, a enxergam como o regime em que tudo se prometeu, quase nada se entregou e muitos direitos lhes retirou, tal como ela é. Coisas básicas, alcançadas em meados dos anos 1950 (como os direitos trabalhistas e previdenciários), foram para o ralo no curso de simples 30 anos de “Estado democrático de direito” com a ‘Constituinte Cidadã’ e tudo, sob a administração sucessiva de todos os partidos da velha ordem, de direita, centro e “esquerda”, sem que nada mudasse.

As massas mais conscientes rechaçam todo o sistema político boicotando-o (mais de 49 milhões no primeiro turno), ainda que desnorteadas por ser ainda débil o caminho democrático revolucionário. As que votam em Luiz Inácio, o fazem pela repulsa ao retorno do regime militar, que ele representa. As que votam em Bolsonaro, creem que o sistema, que sempre as massacrou, não lhe deixa governar e fazer as “bondades” que propala, ademais de estarem chantageadas pela manipulação cruel dos seus costumes e crenças. Ou o que explica a eleição, em 2018, de um deputado vagabundo e terrorista fracassado para presidente, sob a falsa retórica “antissistema”? O que explica que esse mesmo, desmoralizado pela sua comprovada inépcia, corrupção e caráter duvidoso, siga junto ao primeiro colocado, cuja principal bandeira é a “defesa da democracia”?

Portanto, certo setor pequeno-burguês abastado, comovido com os ataques da extrema-direita ao regime político dessa falsa democracia, se indigna com as massas e as insulta por não votarem ou por não seguirem o discurso petista, sem entender a ignorância de si próprio; sem entender que a democracia como “valor universal” que tanto buscam defender não significa nada para as amplas e profundas massas, porque ela não existe como tal; o que existe é uma ditadura do saco de dinheiro, como dizia Lenin, mascarada pelo sufrágio universal e pela manutenção de fragmentos de direitos democráticos, revogáveis a qualquer necessidade dos de cima, e que são mais aparentes àqueles estratos sociais mais abastados. Para a base da pirâmide, aos meros mortais, mesmo tais fragmentos raramente existem. Essa é a dura realidade que convém entender.

Os direitos democráticos, as liberdades civilizatórias, mesmo que existam em frangalhos, são dispensáveis? De maneira nenhuma. São fundamentais, porque as massas populares precisam deles – e exigem-os, como constatam os inúmeros protestos contra a execução sumária de jovens nas favelas e as inúmeras tomadas de latifúndios pelos camponeses, que exigem o seu direito à terra. Sem tais direitos e liberdades, a luta pela emancipação do simples operário, do simples camponês, tornaria-se mais difícil. A questão é: como defendê-los?

Não é possível defendê-los através da velha democracia, da farsa eleitoral, votando em um com o pretexto de “barrar o fascismo”. Pois o crescimento da extrema-direita, que mais ameaça as parcas liberdades democráticas, é resultado da crise de decomposição do Estado reacionário e do fracasso e desmoralização da velha democracia da qual o oportunismo é parte consciente. Apelar para as massas crerem na velha democracia, é o mesmo que jogá-las no colo do golpismo vil; primeiro, porque iludir-se novamente com a velha democracia favorecerá o golpismo, à medida que essa “democracia” também ataca os interesses das massas e retira seus direitos, sendo a desilusão, inevitável; segundo, porque a crença na velha democracia as desarma ideológica e politicamente, tornando-as refém da falta de preparação para resistir. Por acaso a extrema-direita, civil e militar, armada até os dentes e frustrada por uma eventual derrota, desaparecerá, como mágica, uma vez divulgados os resultados? E as leis de exceção, que viraram costume sob pretexto de combater o bolsonarismo, não serão usadas contra os verdadeiros democratas por esse judiciário aristocrático e reacionário? Por acaso os generais golpistas, que até agora se calam sobre a “segurança das urnas” para chantagear a Nação, tornar-se-ão, por obra do divino, fiéis seguidores da lei? Por acaso um eventual governo do oportunismo, fragilizado pela desmoralização, eleito por uma minoria e apesar de algum entusiasmo, não será totalmente refém dos generais golpistas, que lhe oferecerão sustentação, em troca de governarem de fato? E governar para quem? Eis o que pode oferecer essa farsa eleitoral.

Apenas o boicote eleitoral, revolucionário, que combine a experiência sensível das massas com a clareza científica do marxismo sobre a natureza do velho Estado, pode demonstrá-las a necessidade de impor sua vontade através da luta decidida por seus interesses e direitos fundamentais, sem nenhuma consideração ao eleito, seja quem for. Apenas um novo regime social, de Nova Democracia sob direção do proletariado, pode garantir e ampliar ao infinito os direitos e as liberdades, por maiores que possam ser as adversidades inevitáveis para uma reconstrução do país. O proletário consciente, o camponês esclarecido, há muito tempo compreenderam essa verdade, e muitas dessas massas já avançam neste rumo. Creem? Essa é a realidade tão custosa para a intelectualidade progressista entender – e cuja compreensão facilitaria sua luta pela verdadeira democracia, pela verdadeira liberdade.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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