Fazenda usada na gravação da novela ‘Terra e Paixão’ é propriedade de latifundiário implicado em caso de trabalho escravo e infantil

Latifúndios usados em novela da Globo são de propriedade de latifundiário conhecido por crimes ambientais e imposição de relações servis aos trabalhadores.

Fazenda usada na gravação da novela ‘Terra e Paixão’ é propriedade de latifundiário implicado em caso de trabalho escravo e infantil

Latifúndios usados em novela da Globo são de propriedade de latifundiário conhecido por crimes ambientais e imposição de relações servis aos trabalhadores.
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Essa matéria foi produzida com base em uma série de reportagens do portal De Olho nos Ruralistas. Confira abaixo a entrevista do programa A Propósito feita com os jornalistas responsáveis pela reportagem:


A novela “Terra e Paixão”, produzida pelo monopólio Rede Globo, é mais uma das suas odes ao latifúndio e parte de um esforço de propaganda ideológica para revitalizar a imagem dessa chaga nacional que já envolveu um remake da novela Pantanal, em 2022, e seguirá com a produção de “Renascer”. Ridículo por si só, o sonho dos monopolistas de angariar simpatia do povo com seus algozes saiu pela culatra. Em recente série de reportagens investigativas, o observatório De Olho nos Ruralistas revelou em uma importante série de reportagens que a fazenda Annalu, mostrada em “Terra e Paixão”, é propriedade de um latifundiário implicado em casos de trabalho escravo e infantil e que o próprio local de gravação da novela é alvo de uma série de investigações que envolvem violações de leis ambientais.

Aurélio Rolim Rocha, conhecido como “Lelinho” é o proprietário da fazenda Annalu, que tem 1.768 hectares. O grupo que representa como diretor,  Valor Commodities, é uma das maiores empresas de plantio e comercialização de soja e milho de Mato Grosso do Sul (MS), monopolizando 50 mil hectares de terra no estado nos municípios de Caracol, Deodápolis, Douradina, Nioaque, Porto Murtinho e Corumbá, além contar com uma empresa de aviação, seis postos de abastecimento de aeronaves e um setor de ativos imobiliários. Seu pai, também chamado Aurélio, é o verdadeiro comandante das operações do grupo, apesar de ter deixado de ser sócio para a entrada do filho e do primo Nilton Fernando Rocha Filho.  Ele foi condenado por sonegação fiscal de pelo menos R$ 79 milhões em 2006 e a manobra feita para sair da direção do grupo foi uma falcatrua para salvar sua própria pele e terras. A condenação foi prescrita em 2018 por ausência de julgamento.

Terra monopolizada e paixão pela impunidade

As irregularidades apontadas pelo observatório De Olho nos Ruralistas nas reportagens sobre a fazenda Annalu revelam que as irregularidades ambientais foram constatadas pela primeira vez em 2019. Em 2022, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que deu ao latifundiário Aurélio Rolim Rocha um prazo de dois meses para executar as adequações necessárias. Esse prazo não foi cumprido e boa parte das irregularidades não foram resolvidas.

As análises de 2016 do Departamento Especial de Apoio às Atividades de Execução do Ministério Público do Mato Grosso do Sul (Daex/MPMS) identificaram que a área passível de averbação de Reserva Legal (RL) da fazenda Annalu correspondia a apenas 7,45% da área total da propriedade, abaixo do mínimo de 20% exigido por lei. Dois anos depois, a família Rocha declarou ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) que o imóvel teria 335,33 ha de RL, equivalente a 20,6% da área total. O CAR, contudo, funciona a partir de autodeclarações. Além disso, imagens de satélite datadas de 09 de setembro de 2018 e anexadas ao processo contra os latifundiários mostram a presença de gado bovino dentro da RL, o que é proibido pelo Código Florestal. Somam-se às ações ilegais conduzidas dentro da fazenda Annalu o despejo ilegal e armazenamento de agrotóxicos em condições impróprias.

O relatório da vistoria de 2019 exigiu a suspensão imediata da atividade pecuária dentro da RL e a recomposição da vegetação desmatada, tendo sido descoberto também que a família Rocha criava gados em confinamento sem permissão. 

Não existem documentos provando que quaisquer das exigências quanto à RL foram cumpridas e, apenas em 2023, um requerimento para a criação de gado em confinamento na propriedade foi apresentado, afirmando o gerente da fazenda Annalu que a prática havia parado em 2021. Também na última visita técnica realizada pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), em outubro de 2023, não foram mencionadas ações específicas de recomposição de RL. 

Além da fazenda Annalu, outras fazendas do grupo Valor e de familiares de Aurélio Rolim Rocha foram implicadas em casos de infrações. Uma das denúncias de desmatamento feitas contra a fazenda Miya, à época pertencente à Nilton Rocha Filho e hoje renomeada fazenda Pau D’alho, tendo por dona a empresa SS Agronegócio, de Cássio Basalia Dias, seu primo, apontou como possíveis beneficiários do desmate o ex-governador Zeca do PT e o deputado estadual Zé Teixeira (PSDB)

As relações políticas de “Lelinho” e da família Rocha, porém, são ainda mais amplas. Com 30 anos, ele já foi  foi assessor para missões internacionais nos governos de João Dória e Bruno Covas na prefeitura de São Paulo e, entre 2019 e 2021, ocupou os cargos de assessor internacional e de coordenador de Promoção de Imagem e Cultura Exportadora do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), acompanhando a ex-ministra Tereza Cristina (PP-MS) em viagens internacionais à China, Alemanha, Inglaterra, Índia e Arábia Saudita.

Durante o período em que o dono da Fazenda Annalu atuou no governo de Jair Bolsonaro, uma das empresas do grupo Valor Commodities, a Mirage Aero Combusítveis Ltda., foi agraciada em contratos públicos dos Ministérios da Defesa e da Economia, recebendo R$ 414.478,76 do governo federal para 32 operações de compra de querosene e combustível pelo Comando da Aeronáutica e pela 9ª Superintendência da Receita Federal, em Curitiba (PR). Beneficiando e sendo beneficiados por politiqueiros das mais diferentes siglas do partido único do velho Estado latifundiário-burguês, a monopolização de terras pela família Rocha só aumenta, assim como sua impunidade.

As falcatruas da família Rocha são antigas. O caso Campina Verde, como ficou conhecido, apontou em 2005 que R$ 123,9 milhões haviam sido sonegados em impostos federais e estaduais pelo avô e pelo pai de “Nelinho” com o fim de enriquecimento ilícito dos sócios da armazenadora de grãos de mesmo nome por meio de um esquema de empresas fantasmas, registradas em nome de laranjas e familiares, para vender grãos sem pagar impostos, mantendo a Campina Verde como mera armazenadora. Como forma de “resolver a situação”, a família alterou o nome da empresa para CAED Comércio de Grãos. A empresa foi contratada pelos monopólios Seara e Bunge para armazenagem de soja e milho. Uma ação do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) desses monopólios contra o grupo Valor Commodities, em razão de prejuízos com desvio de grãos de R$ 59 milhões e R$ 125 milhões, respectivamente, afirma que o grupo é apenas uma nova roupagem para que a Campina Verde fuja das dívidas e ações criminais. 

A Seara e Bunge também reclamaram recentemente que a Rede Globo seja intimada a dar detalhes dos valores pagos pelo aluguel da Fazenda Annalu durante as gravações de “Terra e Paixão”, argumentando que o crédito deveria ser depositado diretamente para as empresas. Em novembro de 2023, a Seara firmou um acordo extrajudicial com o grupo Valor, mantendo a penhora de 69 imóveis da família Rocha, com exceção unicamente da Fazenda Annalu. A Bunge ainda não firmou qualquer acordo e afirma que o grupo desviou aproximadamente 139,5 mil toneladas de soja da multinacional.

Trabalho escravo e infantil é flagrado em terras da família Rocha

Em 2020, uma inspeção na fazenda Salto, no município de Nioaque (MS), conduzida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), encontrou quinze trabalhadores em situação de trabalho servil, entre os quais oito menores, três deles menores de 15 anos, o que configura trabalho infantil, e três paraguaios. O imóvel também pertence à Valor Commodities e, em 2021, um ano após a vistoria que identificou trabalho infantil na propriedade, Aurélio Rolim Rocha conseguiu a permissão do governo do genocida Bolsonaro para instalar um aeródromo privado no local.

O MPT relatou que as vítimas não recebiam equipamentos adequados para o manejo de agrotóxicos e não tinham acesso a água e sabão para se lavarem após o contato com as substâncias tóxicas. O texto da denúncia, citado pelo De Olho nos Ruralistas, afirma que os trabalhadores eram “forçados a viver em barracos de lona, numa estrutura totalmente improvisada em um curral, dormindo em camas feitas com tábuas e fazendo suas necessidades fisiológicas num buraco, ou então no mato”. Os camponeses relataram estar expostos ao ataque de animais peçonhentos, como cobras e escorpiões, comumente encontrados na região.

Em uma segunda vistoria, realizada em outubro de 2022, a situação permanecia terrível. Os quartos minúsculos e mal ventilados eram divididos por várias pessoas, as paredes estavam sem pintura e não haviam armários. Por uma jornada diária de até nove horas de trabalho, de segunda a sábado, que somada ao deslocamento daria 12 horas diárias, os empregados recebiam entre R$ 50 e R$ 60 por dia. O MPT constatou também que os empregadores não realizavam o depósito mensal do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Entre as obrigações dos trabalhadores, estava a limpeza do solo para o plantio de soja. Para isso, eles recolhiam pedras e raízes com as próprias mãos.

Desde julho de 2020, a Fazenda Salto vinha sendo arrendada por Maísa Rodrigues da Costa, que perante a justiça declarou que não tinha tempo de ir em todas as suas terras e que outro empregado, precisamente uma das vítimas, era responsável pelas contratações. O dono das terras, Aurélio Rolim Rocha, também afirmou que não tinha conhecimento da situação, o que já havia sido desmentido pelo Inquérito Policial instaurado em abril de 2023. 

Maisa Rodrigues firmou, no processo contra a fazenda Salto, que corre na Vara de Trabalho de Jardim (MS), do Tribunal Regional do Trabalho da 24º Região, um acordo de pagamento das verbas rescisórias acrescidas de R$ 5 mil a título de indenização por danos morais para cada trabalhador, totalizando R$ 146 mil em indenizações a serem pagas em cinco parcelas. Em 2022, ela foi multada novamente após a segunda vistoria em R$ 13 mil. O MPF ofereceu a denúncia em agosto de 2023, após conclusão do Inquérito, sem incluir os proprietários da fazenda Salto entre os réus. O site do grupo Valor foi retirado do ar após as reportagens do De Olho nos Ruralistas. Ele incluía a Fazenda Salto entre as propriedades ligadas à empresa. 

O caso da fazenda Annalu e Salto, bem como toda a sujeira do grupo Valor Commodities, escancara precisamente o que a Globo busca esconder com suas propagandas pró-latifúndio: que essa chaga histórica brasileira, a maior e mais duradoura delas, não pode ser redimida, está coberta e é mantida por crimes sem fim contra o povo, dentre os quais se destaca a imposição de relações servis ao campesinato pobre.

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