O direito internacional e a ‘Tempestade de Al Aqsa’

A tomada de reféns é severamente condenada no chamado direito internacional humanitário, mas com uma única ressalva.

O direito internacional e a ‘Tempestade de Al Aqsa’

A tomada de reféns é severamente condenada no chamado direito internacional humanitário, mas com uma única ressalva.
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A tomada de reféns é severamente condenada no chamado direito internacional humanitário, que define padrões mínimos de conduta a observar em contextos de guerra.

As quatro convenções de Genebra vindas à luz em 1949 a proíbem em seu art. 3o em comum no tocante a quem não participe diretamente das hostilidades armadas nos conflitos internos. O Estatuto de Roma, que institui o Tribunal Penal Internacional, a declara crime de guerra em seu art. 8o, seja o refém quem for, tanto em conflitos internos como nos internacionais.

Além desses dois instrumentos de caráter geral, há uma convenção específica e detalhada contra a tomada de reféns, celebrada no âmbito da ONU em 1979. Nesse documento – incorporado ao direito brasileiro mediante o Decreto 3.517 de 2000 [3] e ao português pela Resolução da Assembleia da República n.º 3 de 1984 [4] – , ela é definida como ato de terrorismo, impondo-se a todo país signatário a obrigação de punir e/ou extraditar quem a promova.

Tudo isso, com uma única ressalva.

O art. 12 dessa mesma convenção dispõe que nem ela, nem qualquer norma contra tal prática são aplicáveis a situações “em que os povos se levantam contra a dominação colonial e a ocupação estrangeira, e contra regimes racistas”.

É o que, no jargão jurídico, se costuma chamar de ponderação de valores: entre o repúdio à tomada de reféns e a condenação ao colonialismo e ao apartheid (definido no art. 7o do mesmo Estatuto de Roma como crime contra a humanidade), prevalece, sem sobra de dúvida, esta última.

Se não chega a proclamar o direto dos povos submetidos a tais regimes a praticar qualquer ato destinado a combatê-los, a convenção reconhece, pelo menos, a inexigibilidade de conduta diversa da parte de quem se encontra submetido a tais situações.

Que essa é a situação jurídica do povo palestino, se infere, por exemplo, das resoluções 2787 de 1971 e 3070 de 1973 da Assembleia Geral da ONU. A primeira “confirma a legalidade da luta dos povos pela autodeterminação e libertação do domínio colonial estrangeiro e da subjugação externa, especialmente na África Meridional e, em particular, a dos povos do Zimbábue, Namíbia,  Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, assim como do povo palestino, por todos os meios a seu alcance compatíveis com a Carta das Nações Unidas”; ademais, “afirma o direito fundamental de todo indivíduo a lutar pela autodeterminação de seu povo quando este se encontre sob a dominação colonial e estrangeira” [1]. A segunda  “condena todos os governos que não reconhecem o direito à autodeterminação e independência, especialmente dos povos da África que se encontram ainda sob dominação colonial e do povo palestino” e reconhece a tais povos o direito a travar essa luta “por todos os meios possíveis, inclusive a luta armada [2].

O histérico esperneio dos ocupantes da Palestina e de seus agentes mundo afora para que a tomada de reféns pelo Hamas seja condenada por Estados, organizações e pessoas físicas como ato de terrorismo carece, portanto, de toda legitimidade não só moral, mas também jurídica.

E, na eventualidade de algum dos combatentes que tomam parte na Tempestade de Al Aqsa pisar o território de qualquer país signatário da convenção de 1979 ou do Estatuto de Roma, não poderá ser extraditado nem entregue por nenhum meio a Israel.


Esse texto representa a opinião do autor.

Notas:

[1] https://www.usc.es/export9/sites/webinstitucional/gl/institutos/ceso/descargas/A_RES_2787_ES.pdf 

[2] https://www.usc.es/export9/sites/webinstitucional/gl/institutos/ceso/descargas/A_RES_3070_1973_ES.pdf  

[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3517.htm
[4] https://www.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-internacional-contra-tomada-de-refens-0

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