RR: Velho Estado latifundiário-burocrático promove genocídio contra Yanomamis através do garimpo

RR: Velho Estado latifundiário-burocrático promove genocídio contra Yanomamis através do garimpo

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O Ministério da Saúde decretou, no dia 20 de janeiro de 2023, emergência pública na Terra Índigena (TI) Yanomami, área de aproximadamente 230.000 km² na fronteira entre Brasil e Venezuela que abriga cerca de 26 mil indígenas Yanomami e Ye’kwana. A calamidade, denunciada pelos indígenas há anos e também pelo AND, se agravou devido ao surto de casos de malária e desnutrição severa que aflige adultos e crianças na região. 

A Hutukara Associação Yanomami e a Associação Wanasseduume Ye’kwana apontam, em relatório acerca do garimpo na TI Yanomami intitulado “Yanomami Sob Ataque: garimpo ilegal na terra indígena Yanomami e propostas para combatê-lo” que essa expansão se deu por “razões combinadas”, quais sejam: “1) O aumento do preço do ouro no mercado internacional; 2) Falta de transparência na cadeia produtiva do ouro e falhas regulatórias que permitem fraudes na declaração de origem do metal extraído ilegalmente; 3) Fragilização das políticas ambientais e de proteção a direitos dos povos indígenas e, consequentemente, da fiscalização regular e coordenada da atividade ilícita em Terras Indígenas; 4) Agravamento da crise econômica e do desemprego no país, produzindo uma massa de mão de obra barata à ser explorada em condições de alta precariedade e periculosidade; 5) Inovações técnicas e organizacionais que permitem as estruturas do garimpo ilegal se comunicar e se locomoverem com muito mais agilidade; e 6) A política do atual governo de incentivo e apoio à atividade apesar do seu caráter ilegal, produzindo assim a expectativa de regularização da prática.”.

A grave crise sanitária foi causada pelo avanço do garimpo, atividade à serviço do latifúndio e das grandes mineradoras que buscam ouro, cassiterita e outros minérios na área. A extração dos minérios, que apresentaram aumento no preço no mercado internacional, principalmente o ouro, é realizada com mercúrio. A substância contamina os rios, matando animais e impactando a disponibilidade de alimentos da comunidade, que sobrevive principalmente de caça e pesca. Além disso, a fim de intimidar os indígenas, grupos paramilitares a serviço do latifúndio atuam, há anos, intimidando indígenas e atacando as aldeias com armamentos de controle exclusivo pelo Exército e de uso restrito.

Segundo dados da plataforma Mapbiomas, entre os anos de 2016 a 2020, o garimpo ilegal dentro da TI Yanomami cresceu cerca de 3.350%. Já de 2020 a 2021, a presença do garimpo subiu 46%. Trata-se da quarta “corrida do ouro” naquela região, intensificada desde 2019, e que já conta com mais de 26 mil garimpeiros na área. A primeira ocorreu nos anos 1970, patrocinada pelos militares durante o regime militar fascista. A segunda, nos primeiros anos da “redemocratização” e a terceira nos anos 1990 que resultou, em 1993, no assassinato de 16 yanomami da aldeia Haximu, na Venezuela. 

SITUAÇÃO HISTÓRICA

Segundo o procurador do Ministério Público Federal (MPF) de Roraima, Alisson Marugal, a subnutrição de crianças Yanomamis e a fome nas aldeias é uma “situação histórica”: “A crise era crônica, e pouco havia sido feito para enfrentá-la. O que vimos nos últimos anos é o falecimento das crianças por causas conectadas com a subnutrição, geralmente doenças associadas, como malária, diarreia, verminose, doenças oportunistas que se instalam em um corpo debilitado”.

O procurador também afirma que, onde há presença do garimpo, os indígenas deixam de produzir suas próprias roças: “Toda fonte alimentar passa a ser o garimpo, e o garimpo destrói os recursos ambientais, não existe mais o rio para pesca. Os serviços de saúde começam a se deteriorar. Doenças simples começam a se agravar”.

INDÍGENAS DENUNCIARAM OFENSIVA DO GARIMPO EM 2021

Entre os meses de abril e maio de 2021, os indígenas Yanomami foram ameaçados intensamente pela presença de bandos paramilitares que cercam a comunidade a fim de facilitar o acesso do garimpo. As lideranças locais solicitaram apoio do velho Estado, e não tiveram resposta. Os ataques recrudesceram em maio, após indígenas aprenderem os maquinários dos invasores. O povo Yanomami também criou barreiras nos caminhos onde circula o garimpo ilegal e conseguiram interceptar mil litros de combustível que abasteceria aeronaves dos garimpeiros.

Em 10 de maio de 2021, a comunidade do Palimiú sofreu o primeiro ataque quando garimpeiros armados à serviço dos grandes mineradores dispararam tiros contra a aldeia, outros ataques do mesmo bando seguiriam nos próximos meses. Um vídeo registrado durante o atentado mostra mulheres e crianças correndo na mata, com o som dos tiros vindos das embarcações garimpeiras ao fundo. Poucos dias depois, lideranças da comunidade informaram que duas crianças haviam desaparecido durante a fuga, e foram posteriormente encontradas mortas no rio.

Em 8 de julho outra embarcação de garimpeiros disparou quatro tiros contra mulheres que procuravam um parente desaparecido no rio próximo a Korekorema e, na madrugada do dia 13/07, a comunidade Palimiú foi novamente atacada por dois barcos de garimpeiros, que dispararam 10 tiros contra os indígenas.

Além disto, os indígenas denunciaram que vacinas contra Covid-19 foram desviadas para os garimpeiros.

Leia também: RR: Sob ataques, Yanomami denunciam invasão, assassinato, desvio de vacinas e ataque de pistoleiros

GENERAIS SENTARAM À MESA COM “REI DO GARIMPO” E OUTROS LATIFUNDIÁRIOS

Em 2019, o general da reserva Hamilton Mourão, à época vice-presidente da república, recebeu o fundador da União Nacional dos Garimpeiros (UNG) e atual presidente da Fundação Instituto de Meio Ambiente e Migração da Amazônia (Finama) José Altino Machado. Conhecido como “rei do garimpo”, Machado é responsável pelas três maiores invasões de garimpeiros nas regiões de Xitei e Surucucu na TI Yanomami nos anos 1970, 1980 e 1990. O encontro, que serviu para desimpedir os entraves jurídicos que restam para impulsionar o agronegócio, especialmente a grande mineração, na região da Amazônia Legal, foi caracterizado por José Altino como “muito proveitoso”: “Eu fiz uma proposta, que ele [Mourão] achou interessante. Apresentei a ideia de criar responsabilidades mútuas no Brasil. Nós ficamos com a responsabilidade de tomar conta do trabalho que nós temos na Amazônia, enquanto o governo assume a responsabilidade de administrar. Não tem cabimento um pedido de licença ambiental ficar pendente por mais três anos no governo. Essa questão da morosidade não pode acontecer. Ele entendeu tudo e se colocou à disposição para nos ajudar”, disse. 

Em setembro de 2019, José Altino participou de uma audiência na Câmara ao lado de Alexandre Vidigal, do Ministério de Minas e Energia (MME), Eduardo Leão, da Agência Nacional de Mineração (ANM) e Dirceu Santos Sobrinho, da Associação Nacional do Ouro (Anoro). No mesmo mês, Dirceu e Altino se reuniram também com o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o general Augusto Heleno e Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Em junho de 2020, Mourão, José Altino, Dirceu Sobrinho e Euclydes Pettersen (PSC-MG) se reuniram novamente em Brasília, e depois, em 2021, mais um encontro foi registrado, desta vez somente entre Mourão, José Altino e Dirceu.

VELHO ESTADO CHORA LÁGRIMAS DE CROCODILO

Ainda que muito denunciada por todos estes anos, a situação dos povos indígenas da Amazônia virou notícia nos monopólios de imprensa somente agora, quando há um decreto de emergência pública na região. Assim, o monopólio de imprensa se apressou para enquadrar como criminoso o garimpeiro em geral, sem distinguir os camponeses pobres sem terra que são empurrados para esta atividade dos grandes garimpeiros e mineradores. Produto da condição semifeudal e consequência inevitável do problema agrário do Brasil, os pequenos camponeses são apontados como vilões, omitindo que nada mais são do que camponeses pobres sem-terra obrigados, por sua condição, a submeterem-se ao garimpo ilegal como alternativa de sobrevivência, em sua luta contra a expropriação dos latifundiários. Isto é em parte reconhecido pelas próprias organizações indígenas Hutukara Associação Yanomami e Associação Wanasseduume Ye’kwana que apontam que, entre as causas do aumento do garimpo, está o “agravamento da crise econômica e do desemprego no país, produzindo uma massa de mão de obra barata à ser explorada em condições de alta precariedade e periculosidade”.

CAMPONESES SEM TERRA SÃO EMPURRADOS AO GARIMPO

De acordo com a matéria O ‘telhado de vidro’ de Bolsonaro na Amazônia, de Júlia Izecksohn, publicada por AND em novembro de 2019, “a figura do garimpeiro tal como ela existe hoje, na Amazônia, surge com o processo de migração populacional e de capitais para a região durante os anos 70 e 80, baseado tanto na incorporação de terras quanto na mobilização de mão-de-obra como força de trabalho nos empreendimentos que iam surgindo à medida que a fronteira agrícola avançava”.

Sobre as falsas promessas de terra aos camponeses, o artigo prossegue: “Apesar da promessa feita pelo regime militar de que a Amazônia seria uma ‘terra sem homens para homens sem terra’, essa população teve seu acesso à terra negado, ao passo que começou a sofrer com a falta de emprego. Acabou, então, por ocupar atividades diversas, até mesmo várias em um período de um ano. Trabalham com o que calhar de aparecer, ora no garimpo, ora em madeireiras ou empreiteiras, ora até como peões em fazendas alheias.”.

OS POVOS INDÍGENAS, CAMPONESES POBRES, QUILOMBOLAS E DEMAIS MASSAS POPULARES TÊM INIMIGO COMUM

Pressionado pela estrutura fundiária extraordinariamente concentrada do país, o pequeno camponês se encontra encurralado pelas grandes propriedades do latifúndio. Fica, então, com a única alternativa de atuar com o garimpo dentro das áreas indígenas ou de proteção, em contradição, imediatamente, com indígenas e outros povos tradicionais, como os quilombolas e ribeirinhos. Pela atuação dos grandes latifundiários e das grandes mineradoras, não consegue prosperar, sendo empurrado para atuar em condições precárias (por vezes, tais relações são pré-capitalistas, isto é, semifeudais), agravando a contradição entre massas e semifeudalidade, expressa a partir da contradição indígenas/camponeses sem terra versus grandes proprietários de terra/grandes mineradoras.

Portanto, o genocídio dos povos indígenas e a exploração semifeudal dos camponeses pobres (sem terra ou com pouca terra) é uma chaga secular e permanente em toda a história do Brasil. Ela só pode ser combatida e definitivamente enterrada com a destruição do latifúndio e a entrega da terra à quem nela trabalha, ou seja, indígenas, camponeses e remanescentes de quilombolas – que, de Norte a Sul, têm lutado por melhores condições de vida.

Imagem em destaque: Generais e o grande garimpo irmanados no secular genocídio contra os povos indígenas: José Altino, Hamilton Mourão, Pettersen e Dirceu Sobrinho, durante audiência na Câmara em 25/01/2021. Foto: Romério Cunha/VPR

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