Editorial semanal – O ‘terceiro turno’ e as provocações golpistas

Editorial semanal – O ‘terceiro turno’ e as provocações golpistas

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Foto: Fabiano Rocha

Duas resultantes das eleições presidenciais não surpreendem ninguém: que o candidato vencedor ganharia por margem muito apertada e que, se fosse derrotado, Bolsonaro provocaria distúrbios.

Luiz Inácio foi eleito, com 50,9% dos votos válidos, contra 49,1% de Bolsonaro. A diferença é a mais estreita dentre as disputas eleitorais para presidente na história da República: 1,8%. Cerca de 2 milhões de votos separam o vencedor do derrotado. Nota-se que, apesar da chantagem e ameaça terroristas nunca antes vistas para mover os eleitores através do medo, fato inquestionável é que 32 milhões de brasileiros e brasileiras com registro no TSE se abstiveram, sem mencionar os 10,9 milhões – aproximadamente – que não se cadastraram e os 5,6 milhões de nulos e brancos (um total de 48,5 milhões que não votaram em nenhum dos candidatos).

Não bastasse o boicote de quase um terço do eleitorado, a margem estreita do resultado corrói a pretensa legitimidade da eleição, tanto mais considerando que o eleito representa apenas um terço do eleitorado. Fator este sempre ocultado pelos embelezadores da velha democracia corrupta e moribunda, pelo próprio sistema político através de suas instituições e pela corriola de partidos que o sustenta, sem falar dos monopólios de comunicação. Concluída a eleição, a crise política do país dá um salto: os distúrbios bolsonaristas, por meio de bloqueios das rodovias após o resultado do pleito, refluindo logo ou em mais dias, anuncia a nova forma que a crise se revestirá. Bolsonaro fez silêncio absoluto, só se pronunciando depois de 48 horas. Laconicamente declarou que os bloqueios “são frutos da indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, referindo-se a supostas irregularidades do TSE. Dado seu isolamento na maioria das classes dominantes, emendou que superou as dificuldades “mesmo enfrentando todo o sistema”. Bolsonaro concluiu arvorando-se ter levantado os valores da “direita” (extrema-direita), de “deus, pátria, família e liberdade”, não reconhecendo formalmente sua derrota, enquanto seguiam as manifestações de choramingas de derrotados por todo o país.

Essas provocações foram preparadas ao longo de muito tempo. Bolsonaro fez afagos à Polícia Rodoviária Federal (PRF) como promessas, dentre efetivadas ou não, de reajuste salarial e reestruturação de carreira, ademais de expandir a área de sua intervenção além das rodovias, ampliando sua função policial de repressão. Já são inúmeras intervenções com assassinatos e torturas como os casos do trabalhador Genivaldo, em Sergipe, e o jovem Lorenzo, de 14 anos, que trabalhava de entregador no Rio de Janeiro. Simultaneamente, toda a cautela de Bolsonaro e da PRF em não se chocarem com os interesses imediatos dos caminhoneiros durante os últimos quatro anos não tinha apenas fins eleitoreiros, mas também preparativos de suas provocações golpistas. Nesse período houve ainda a persistente infiltração de agentes de inteligência entre os caminhoneiros, sob coordenação do Gabinete de Segurança Institucional (encabeçado pelo general Heleno), tanto para controlar perigos de greves indesejadas, como para manipulá-las. Os agentes rodoviários federais não apenas não liberaram as vias, como incentivaram os cortes de rodovia, inclusive tomando parte deles, segundo vários relatos. Impotente, Alexandre de Moraes ameaçou cumprir a lei, com multa de R$ 5,8 mil aos caminhoneiros que persistirem nos bloqueios.

Bolsonaro, o Fraco, saiu pela tangente para prolongar as provocações. Por um lado, não se pronunciar formalmente significaria implicar-se do ponto de vista legal; por outro, aceitar os resultados em tom derrotista seria colocar ponto final, desmoralizante, às provocações. Recheando seu pronunciamento com ataques ao TSE, só fez lançar mais lenha na fogueira da crise política e institucional que se aprofunda. Encenando não estar abatido e jogando para ganhar tempo, Bolsonaro espera que a situação se torne insustentável do ponto de vista social, quem sabe, para decretar “Garantia da Lei e da Ordem”, colocar as Forças Armadas nas ruas e seguir rechaçando o STF, buscando forçar ao erro seus oponentes e ganhar posições que lhe dê melhores condições de negociação.

A atitude, até aqui, do Alto Comando das Forças Armadas reacionárias e de proeminentes generais reformados é um apaziguamento com as provocações da extrema-direita. Um dos sinais foi a fala do general Villas-Boas, ex-comandante do Exército – que é unanimidade entre seus pares –, maldizendo o candidato eleito e fazendo-lhe sérias acusações, no dia 29/10. Não foi um tuíte inocente: se deu às vésperas do pleito, quando toda a inteligência militar estava inteiramente ciente dos preparativos das mobilizações. Outro sinal foi o fato do Ministério da Defesa não tornar público o tão anunciado relatório sobre a “lisura” do processo eleitoral.

O objetivo dos altos mandos é não precipitar uma ruptura. Eles sabem que o nível de desmoralização de Bolsonaro nas classes dominantes e de seu isolamento em grande parte da sociedade arrefeceu o otimismo da extrema-direita na caserna, sendo, mesmo para o mais apaixonado bolsonarista, tarefa quase impossível sustentar uma ruptura agora. Todavia, tais provocações bolsonaristas, frente às quais são permissivos, servem a mandar recados intimidatórios para o futuro governo, para a Suprema Corte e todas as demais instituições. A chantagem está sobre a mesa: ou aceitam o intervencionismo e tutela militares (dar passos adiante no sentido do seu ultrarreacionário “Projeto de Nação”), ou não contem com a boa vontade deste para lidar com  a direita extremista.

Os sinais dos tempos são claros. A palavra de ordem oportunista e covarde, de “vencer o fascismo nas urnas”, parte de seu pecado original, de crer que estamos num sistema político assegurado, de que votos barram a extrema-direita assanhada, inclusive tendo esta votação equivalente. Ilusão! Esse sistema político, já há muito, está questionado pelos de baixo à esquerda, e por uma parcela dos de cima à extrema-direita. A eleição, dada sua desmoralização, já não funciona, como outrora, na solução dos impasses no seio das classes dominantes, ainda que sob aguda e falsa polarização que lance os de baixo a digladiarem-se entre si para legitimá-la. A crise profunda e geral do velho Estado é tal que, depois do primeiro e segundo turnos, se abre o “terceiro turno”, para definir a correlação de forças no velho Estado para os próximos tempos de crise. E, nele, não vence quem tem maioria de votos válidos.

A divisão da sociedade brasileira não é de votos e nem vertical; ela, desde sempre, é divisão de classes, entre as classes exploradas, oprimidas e empobrecidas e as classes exploradoras, opressoras e opulentas. O que este sistema político busca com a farsa eleitoral e a falsa polarização é encobrir a real divisão de classes para diluir a luta entre elas. Que ironia! Enquanto a extrema-direita investe na confrontação ideológica, a falsa “esquerda” tergiversa falando de “amor”, “não violência” e “paz”, enquanto a maioria do povo ou passa fome ou come o mínimo para sobreviver; enquanto a Nação é aviltada pela rapina do capital financeiro internacional, desindustrializando e desnacionalizando a economia e ambos polos de dita polarização disputam qual deles oferece mais estabilidade para tal saqueio e opressão nacional.

Assim, os elementos da crise aguda não se reduzem às chantagens e ameaças dessa polarização. Depois de assumir, o petista terá uma tarefa ainda mais difícil: manter-se em posse, uma vez que será fustigado de todos os lados, pela extrema-direita, pelo Alto Comando das Forças Armadas, pelo Congresso de corruptos e pelas massas populares ressentidas com as promessas não cumpridas. Luiz Inácio, mais que nunca, é sim alvo eleito das tentativas desesperadas de salvação do sistema em crise de decomposição: a ele, resta domesticar-se ainda mais ou terá de ceder lugar a Alckmin. Já a tarefa de governar, essa é mesma impossível. A magnitude da crise, colossal e de caráter geral, não está devidamente presente nos cálculos da aristocracia oportunista. Quem quer que assumisse teria que lidar com a amarga verdade: nesses marcos, o país é ingovernável.

Urge aos democratas e revolucionários aprofundar a mobilização das massas populares em defesa de seus interesses pisoteados, impulsionar o protesto popular, não permitindo aos reacionários e oportunistas arrastá-las para os embates em defesa dessa ordem de exploração e opressão encoberta, ou pela velha democracia corrupta, ou pelo regime militar. Aos camponeses sem-terra ou com pouca terra, ao proletariado e demais assalariados urbanos e rurais, aos estudantes, aos servidores públicos (principalmente da educação e saúde), aos caminhoneiros e aos pequenos proprietários do comércio e outros serviços, é preciso mobilizá-los para que imponham seus interesses através das tomadas de terras do latifúndio, com a Greve Geral de Resistência Nacional, com a greve de ocupação nas universidades e escolas; é a única forma de conquistar aquilo que necessitam e que nenhum novo governo eleito ou golpista das classes dominantes dará.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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