Depois de um ano de gastos recordes com o “agronegócio”, o governo Luiz Inácio anunciou que fornecerá ao setor mais R$ 6 bilhões na forma de linhas de crédito fornecidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A maior parte do valor será oferecida para o latifúndio voltado à exportação na forma de empréstimos em dólar com juros reduzidoo. Outros R$ 3 bilhões restantes do Plano Safra do ano passado serão remanejados para este ano na forma de crédito subsidiado. No mesmo sentido, dados do ano passado mostraram que o governo gastou 240% a mais do que o orçado com o programa de seguros do agronegócio, o ProAgro. O valor da nova ampliação da linha de crédito é cerca de R$ 3,2 bilhões a mais que o destinado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para 2024, segundo o Portal da Transparência do órgão.
Dos R$ 6 bilhões, R$ 4 bilhões serão fornecidos por meio do BNDES Crédito Rural, programa criado em abril do ano passado como forma de fomento ao latifúndio. Marcada pelos empréstimos em dólar e, portanto, com juros menores do que empréstimos em reais, a medida tem foco no setor da exportação, e beneficia diretamente o latifúndio produtor de commodities. No ano passado, R$ 4 bilhões foram orçados para a linha, dos quais R$ 3,62 bilhões foram aprovados.
Gastos recordes
O anúncio sucede um ano de gastos recordes com o latifúndio. No ano passado, o Plano Safra anunciado por Luiz Inácio teve o maior valor desde as primeiras edições da medida. Assim como no “BNDES Crédito Rural”, os mais beneficiados pelo Plano Safra foram os latifundiários.
Também no ano passado, o governo gastou R$ 9,4 bilhões com o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (ProAgro), espécie de seguro destinado ao “agronegócio”. No ProAgro, latifundiários que pegaram empréstimos com bancos privados mas tiveram problemas na colheita causados por eventos inesperados (como eventos climáticos extremos) podem recorrer ao programa para compensações ou até mesmo indenizações. Por mais que o programa seja oferecido tanto a latifundiários quanto a pequenos produtores, cerca de 85% dos eventos que levaram ao acionamento dos seguros no programa ocorreram nas plantações de soja, milho e trigo, diretamente relacionadas ao latifúndio.
Governo entregue ao latifúndio
Os valores são terrivelmente discrepantes em relação com aquele empenhado ao fomento aos pequenos produtores ou à reforma agrária no País. Segundo o Portal da Transparência do Incra, o orçamento do órgão para 2024 é de R$ 2,89 bilhões, somente R$ 400 milhões a mais do que o deixado pelo governo de Bolsonaro para o orçamento de 2023 e muito abaixo do valor necessário para uma política adequada de compra de terras para a reforma agrária. Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a estimativa de orçamento necessário para garantir a política de reforma agrária é de R$ 7 bilhões.
São dados que põem em xeque determinados argumentos do governo. No ano passado, o portal Repórter Brasil denunciou que o governo não comprou terras para a reforma agrária. Na época, os órgãos e governo justificaram-se com a suposta falta de orçamento deixada pelo ex-presidente ultrarreacionário Jair Bolsonaro, mas ao mesmo tempo remanejaram sem dificuldades o orçamento do ProAgro, elevado dos R$ 2,7 bilhões iniciais para os R$ 9,4 bilhões gastos ao final do ano.
Frente à falta de terras, camponeses que se mobilizaram ao longo do ano passado em tomadas estão, até hoje, nos acampamentos montados, alguns até mesmo já em produção. Esse jornal noticiou por todo o ano mobilizações desse tipo, como as ocupações de terra do início do ano e importantes retomadas como a dos camponeses do Acampamento Mãe Bernadete.
E neste ano, o “novo orçamento” não apresentou diferenças significativas do “antigo”. Em dezembro, o governo já havia anunciado um valor insuficiente de R$ 567 milhões para compra de terras em 2024, o menor de todas as gestões petistas. O valor do Incra deste ano comprova a tendência de sucateamento da entrega de terras. Agora se confirma também que o fomento desenfreado ao latifúndio prosseguirá com rédeas soltas.
Novas tomadas
Fica impossível acreditar que o governo leva a sério as exigências dos camponeses. Passado já um ano do governo, tudo se desenha como uma reedição: o sepultamento final do cadáver da reforma agrária e a entrega de tudo aos latifundiários. Como consequência inevitável, a tendência é que se reeditem também grandes e novas tomadas de terra pelo País.
Afinal, nas palavras de Luiz Inácio, a solução para as “invasões de terra” era a criação de uma “prateleira de terras”. “Por que a gente tem que esperar as pessoas invadirem uma terra para a gente comprar? Por que a gente não faz um levantamento de todas as terras devolutas, de todas as terras ociosas e a gente cria no governo um balcão, uma prateleira de terras?”, questionou ele no ano passado.
Passado um ano, as prateleiras continuam vazias. Às massas, fica claro como que as terras serão de fato conquistadas.