Lunfardo: Um idioma secreto do proletariado (parte 2)

Há estudiosos,como o historiador Oscar Conde, que informam que o lunfardo, ao contrário do que costuma dizer a burguesia, foi mais que uma maneirice expressiva  de “criminosos” surgida entre os anos 1800 e 1900 na Argentina, e que continua viva.

Lunfardo: Um idioma secreto do proletariado (parte 2)

Há estudiosos,como o historiador Oscar Conde, que informam que o lunfardo, ao contrário do que costuma dizer a burguesia, foi mais que uma maneirice expressiva  de “criminosos” surgida entre os anos 1800 e 1900 na Argentina, e que continua viva.
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Há estudiosos,como o historiador Oscar Conde, que informam que o lunfardo, ao contrário do que costuma dizer a burguesia, foi mais que uma maneirice expressiva  de “criminosos” surgida entre os anos 1800 e 1900 na Argentina, e que continua viva.

Trataria-se de uma variação dialetológica de imigrantes, proletários, trabalhadores, principalmente italianos, que se fixaram entre as classes pobres da capital Buenos Aires e sua periferia.

Um jeito rebelde, astuto e sinuoso de falar, um modo a mais de defender-se e de resistir às classes opressoras.

O incompreensível e Maradona

Coloquialmente, é chamado lunfa.

Em termos práticos é ininteligível mesmo para falantes médios do espanhol vindos de outros países. “El Pibe de Oro”, apelido de Maradona, pertence ao lunfa e significa “O Pivete (Garoto) de Ouro”. 

O idioma proletário inclui também, dentre outras, uma forma particular de falar invertendo as sílabas de uma palavra, chamada de “Vesre”, inverso de “Revés (“ao contrário”, em castelhano). Assim tem-se tango substituído por gotanamigo por gomia,

colo por loco,etc.

O lunfardo teve grande influência na gíria brasileira, notadamente nos portos da Praça Mauá (Rio de Janeiro) e Santos.

Para o Brasil vieram palavras como otário,

bacana, mina, afanar, bronca, fajuto.

Hoje: português, inglês e língua inca

léxico do lunfardo está em vários dicionários. Apesar de, em seu início, derivar em boa parte das línguas europeias que constavam no espanhol falado na Argentina, em particular o italiano (genovês, lombardo, piemontêsnapolitano e o “cocoliche”, um pidgin ítalo-espanhol dos migrantes italianos), no passar do tempo somou outras línguas.

Hoje as mais destacadas são o inglês, o português, o galego e as línguas ameríndias como o guarani e o quêchua (inca).

Uma rebelião e um jogo

Por isso Oscar Conde esclareceu numa entrevista de 2018:

“O lunfardo é um fenômeno linguístico único.

Para que um termo seja lunfardo tem que estar presente uma ideia de rebelião e uma ideia de ‘brincar/jogar’ com a linguagem.

Quando o lunfardo surge, o faz quase como um socioleto das classes populares. Ou seja, é uma fala da boca dos pobres, dos desclassificados, dos habitantes do cortiço/favela, do subúrbio.

Originalmente foi uma fala destas classes populares, onde havia muito imigrante. Eu diria porém que na década de 1940 o lunfardo já é policlassista e atravessa todas as idades. Atualmente, uma pessoa que começou a usar o lunfardo quando tinha 10 anos, hoje tem 60 e o segue falando.”

Um pouco do palavreado

A seguir alguns termos praticados no lunfa:

Bacán (semelhante a bacana, no Brasil ) –

Aquele que tem dinheiro em banco (banca em castelhano, portanto pessoa “bancana”). Indivíduo com aparência de rico ou de ter boa vida.

Relacionada a esta, teríamos a palavra “bacanal”, sendo ”bacán” uma apócope. Assim, “bacán” seria a pessoa dada à boa vida, viagens, roupas de grife, etc.

Porém, para alguns, a etimología procederia da Itália, do antigo idioma genovês, da palabra hoje desusada “baccan” com o significado de patrão, dono da casa/fazenda, dono ou chefe de navio que como signo de comando portava um bastão chamado “bacco” (algo como “báculo” em português).

Cana – Polícia. Tal palavra lunfarda parece ser a abreviação de “canário”, vocábulo já usado na Espanha desde os anos 1500 no mínimo (Miguel de Cervantes, autor do clássico “Dom Quixote de la Mancha”, o menciona com o significado de cantordelator ou confidente da polícia). Outros supõem que a etimología está na palabra francesa canne (“cana”, “bastão”), aludindo ao cacetete usado por policiais.

Gato – Esta palavra é uma das demonstrações do “deslizamiento” de significado que existe no lunfardo, dado em parte por mudanças de contextos históricos.Ex: até inícios de 1980 gato costumava ser um elogio a alguém muito ágil ou sagaz (o músico Astor Piazzolla por seu grande talento ao tocar o bandoneón, principal instrumento no tango, era apelidado de “El Gato”). Porém, houve tempos em que foi comum chamar de gato os clientes das meretrizes mais bonitas e luxuosas/caras, assim como as próprias prostitutas, denominadas toga em Vesre.

Deslizando novamente, entre a classe pobre gato virou, depois, adjetivo para qualificar a pessoa tola, estúpida. Contudo, em províncias do interior argentino, como Santiago del Estero ou Tucumán gato se aplica aos ladrões, por terem “fácil unha comprida para roubar”. No Brasil é semelhante.

Mina – Mulher. Inicialmente se usava com conotações pejorativas. É um vocábulo lunfa que se forma com a aférese da palavra italiana femmina e a contração da galega menina, usada no idioma português para designar mulher jovem ou criança.

Em Vesre é jermu (“mujer” ao inverso).

Dólares “Messi” e “Diego”

Verde, no lunfa, é o nombre que se dá ao dólar do USA, já que suas cédulas são impressas com tinta de tons verdes.

Em 2013 surgiu o termo “blue” (azul), que era o dólar cotado especulativamente dentro do “mercado negro” ou ilegal. Por exemplo,em maio daquele ano o dólar “blue” foi apelidado de  “Messi”, no lunfa, porque na cotação havia superado ao “Diego” (Maradona, equivalendo à cedula de 10 pesos argentinos).

Originárias da língua inca (quêchua)

Guacho (a), Huachu, Wakchu Órfão, em sentido

literal e simbólico (pessoa solitária; refere-se ainda a aquela que está fora dos ayllus, grupos comunitários andinos camponeses-indígenas).

No mundo andino central a palavra é um grave insulto e passou a ser espanholizada como guacho com significado semelhante a canalha/mau caráter/infame/indigno/vil.

Contudo, foi tomando ao longo do século XX significados paralelos, como na zona de B.Aires a conotação elogiosa de “pícaro simpático”, de “fraudador divertido”, de “malandro agradável”.

Originárias da língua guarani

Piranha – Individuo que rouba lojas, casas, locais de lazer, pontos de ônibus junto com outras pessoas, em ações rápidas e inesperadas.

No Brasil tais atos são chamados de “arrastões”. Na Argentina, se chamam “roubos piranha” porque

recorda o ataque dos pequenos peixes carnívoros chamados de piranhas, cujo nome deriva das palabras guaranis pira (peixe) e anhá (diabo).

Originárias de línguas africanas

Tango- A maioria dos escravos trazidos a Argentina veio de etnias do CongoGolfo da Guiné e área do Sudão. Para eles, tangó significava ‘lugar fechado’, ‘círculo’, ‘qualquer espaço privado onde para entrar há que pedir permissão’.

Os traficantes espanhois chamavam “tangó” aos lugares onde trancavam os escravos, na África e na América.

Banana – Além de nominar o fruto (plátano do Mali), possui acepções variadas no lunfa, com diversos delizamentos: genitália masculina; sujeito pícaro e astuto; indivíduo de comportamento ‘estranho e desconsiderado com os demais’; sujeito de pouca confiança mas que finge seriedade e recentemente (inicio século XXI), a pessoa idiota.

Bochinche – (bochicho em português). Falatório, ruído tumultuoso.

Dengue – A palavra para designar a enfermidade transmitida pelo mosquito Aedes egypti é de origem africana e dela provavelmente derivou o lunfardismo “dengue”, com significado de melindre, afetação, futilidade, fraqueza, dificuldade.

Tamango – (tamanco em portugués). Tipo de calçado/sapato.

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