PE: Camponeses resistem contra invasão latifundiária na Zona da Mata

PE: Camponeses resistem contra invasão latifundiária na Zona da Mata

Print Friendly, PDF & Email

No dia 21 de agosto, as famílias de camponeses posseiros do Sítio Barro Branco, Jaqueira (PE), realizaram várias ações combativas na defesa de suas terras. Os camponeses acusam a empresa Agropecuária Mata Sul S/A, pertencente ao latifundiário Guilherme Maranhão, de avançar contra suas terras na tentativa de expandir as próprias posses. Membros da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do Nordeste acompanharam todos os atos junto com dirigentes da Associação dos Moradores e Agricultores de Barro Branco, que organizou os atos.

No começo da manhã, a partir das 6h, dezenas de camponeses e camponesas se mobilizaram próximo a um grande curral da empresa Mata Sul para impedir que os vaqueiros do latifundiário transferissem o gado para dentro da área central do Sítio, próximo a suas moradias. Os camponeses mobilizaram um grupo para impedir a construção de uma nova estrutura para criação de gado dentro da parte central das terras e expulsaram os funcionários do latifúndio de suas terras.

Na tentativa de frear a mobilização, o “chefe de segurança” do latifúndio, Maurício, tentou intimidar as massas ao afirmar que estava construindo o prédio com autorização da prefeitura. O paramilitar ainda acionou a Polícia Militar para reprimir os camponeses. Os policiais atenderam prontamente o chamado das forças paramilitares do latifundiário e enviaram três viaturas carregadas de militares munidos de fuzis e outros armamentos pesados  à região.

Na abordagem, o sargento da PM Ricardo de Melo Silva afirmou que registraria um Boletim de OcorrÊncia na delegacia da Polícia Civil de Jaqueira. As massas elegeram os representantes para irem até a delegacia e acompanharam os escolhidos por questões de segurança. A mobilização dos camponeses em torno da delegacia conseguiu que a própria prefeita de Jaqueira, Ridete Pellegrino, fosse até a região e desmentisse o “chefe da segurança” do latifundiário. Segundo ela, não havia alvará para construção da obra. 

Captura de tela de vídeo mostra “Maurício”. Foto: Banco de Dados AND

Apesar de a versão dos camponeses ter sido confirmada, a empresa Mata Sul consta no Boletim de Ocorrência, registrado pelo agente da Polícia Civil José Fábio de Souza Costa, como “vítima dos camponeses”, que estariam denunciando o latifúndio por soltar gados contra os marcadores, bem como a instalação de eletrificação de cerca sem aviso e construção em área invadida. 

A mobilização também atraiu o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que levou um representante da Comissão Nacional dos Direitos Humanos e afirmou perante os camponeses que a liminar de despejo usada pela empresa latifundiária Agropecuária Mata Sul S/A, aprovada pelo TJPE, havia sido suspensa pela 11ª Vara da Justiça Federal. Portanto, o documento não poderia ser utilizado como justificativa para manter ou aumentar a ocupação sobre as terras dos posseiros.

Apesar destas manobras das forças policiais do velho Estado em conluio com as forças paramilitares do latifundiário, não houve nova invasão nem do gado nem de estruturas do latifundiário Guilherme Maranhão contra os camponeses do Sítio Barro Branco.

Jornada de trabalho coletivo

Dois dias depois, no dia 23/08, cerca de 80 famílias camponesas, em sua maioria do Engenho Barro Branco, retomaram uma parte de suas terras roubadas. Logo no inicio da manhã, por volta das 6h, os posseiros se reuniram em assembleia e decidiram retomar suas terras, começando pelas partes próximas aos arredores de suas casas.

A mobilização contou com apoio de muitas famílias. Os camponeses doaram mudas de coqueiro e bananeira e ajudaram no plantio, em alto exemplo de ajuda mútua. Dezenas de vozes entoavam o hino Conquistar a terra enquanto plantavam as mudas e trabalhavam a terra. Até 12h, mais de 4 hectares de terra já haviam sido cultivados. 

Nem mesmo o envio de “seguranças” armados para intimidar e filmar as massas ou a chegada de três viaturas lotadas de policiais armados, acionados pelos paramilitares, foram capaz de reduzir o ritmo produtivo. O episódio ocorreu por volta das 10h, mas as massas não se deixaram intimidar e mantiveram o trabalho. 

Camponeses doaram mudas para famílias acampadas. Foto: Banco de Dados AND
Camponeses trabalham coletivamente em nova terra. Foto: Banco de Dados AND
Mudas doadas. Foto: Banco de Dados AND
Camponeses cultivaram mais de 4 hectares de terra. Foto: Banco de Dados AND

Na hora do almoço, uma tenda foi erguida e um almoço coletivo foi preparado. O cerco que policiais e paramilitares tentaram levantar contra os camponeses na hora da refeição foi frustrado pelos acessos interrompidos em estradas. A todo momento, gritos de ordem eram entoados pelas massas. “É o espírito da luta que está no meio de nós”, bradou um camponês. 

Assombrados pela resistência, os policiais chegaram a levantaram drones para bisbilhotar o acampamento e as massas. Mesmo com a nova tentativa de intimidação, o acampamento seguiu de pé. Ao longo do dia, camponeses de diversas outras comunidades camponesas, como Caixa Dagua, Rampa, Gulandi, Varzea de Cobras, Tenório, Sítio Grande e Furnas, foram ao acampamento. Tomando a mobilização como exemplo, os camponeses posseiros do município de Gameleira também iniciaram suas retomadas e outras comunidades também prometem se levantar em breve.

Governo entregou terras do povo a latifundiários 

Em 2001, a usina Frei Caneca pertencente ao latifundiário Gustavo Jardim foi a falência, que funcionava desde 1886. Além das dívidas com bancos e fornecedores, também deixou dívidas com velho Estado e com os funcionários, a maioria camponeses posseiros das terras antes mesmo da própria Usina ser fundada.

As terras da falida Usina Frei Caneca são ocupadas por pelo menos cinco grandes comunidades camponesas conhecidas popularmente como engenhos: Barro Branco, Fervedouro, Laranjeiras, Guerra e Várzea Velha. Por sua vez, estes engenhos são rodeados por pequenos sítios de centenas de famílias camponesas antigas, remanescentes de gerações centenárias de indígenas, quilombolas e camponeses. Diversas famílias remontam suas origens a processos como a Cabanagem e a Revolução Praieira. Entende-se que há pelo menos 300 anos as classes dominantes atentam para expulsar estas massas que vivem e trabalham pelos pés das serras do Urubu e do Espelho – a maior reserva de Mata Atlântica desta Zona.

Em 2018, o Governador Paulo Câmara (ex-PSB/PE) permitiu o subarrendamento das terras da falida Usina para a empresa latifundiária Negócios Imobiliária S/A pertencente ao “agroempresário” Guilherme Maranhão, irmão do prefeito de Ribeirão (PE), Marcelo Maranhão (PSB). Já em 2020, no meio de pandemia, as terras da falida usina Frei Caneca foram leiloadas por menos de 10% do seu valor de mercado para outra empresa, Mata Sul S/A, pertencente ao mesmo dono da Negócios Imobiliária S/A, Guilherme Maranhão.

O latifundiário Guilherme Maranhão, assegurado pelo resultado do “leilão online” fraudulento do PSB, pretende expulsar mais de 2 mil camponeses, representando uma média de 20% da população municipal, e se apropriar de mais de 5 mil hectares, representando 53% de todo território do município. O motivo seria aportar uma grande criação de gado de corte para abastecer o maior frigorífico do Nordeste, Masterboi, com capacidade de abater até 2 mil animais diariamente para exportar para a China.

Para conseguir cumprir sua pauta, além do apoio dos oportunistas do PSB, o latifundiário teve apoio do sistema judiciário do estado de Pernambuco, sobretudo do TJPE, que aprovou a realização dos supostos leilões mesmo sabendo que destruiria as vidas de milhares de camponeses em pelo menos cinco municípios da Zona da Mata Sul, e da Polícia Federal, que liberou uso de arma de fogo pelos pistoleiros contra os camponeses desarmados.

O processo foi marcado, até aqui, por uma onda de violência, ameaças e intimidações contra os camponeses. Em 2019, um camponês do engenho Fervedouro foi alvo de tentativa de assassinado por parte dos pistoleiros a mando do latifúndio. Os paramilitares recorrentemente disparam contra as casas, soltam gado nas roças, envenenam poços de água, eletrificam cercas e atiçam cães de guarda para atacar crianças. 

Esse conjunto de ações terroristas buscam minar a capacidade de resistência das massas camponesas de posseiros em luta secular pela terra. Todavia, as massas seguem em luta pelo direito de suas posses e avançam nas retomadas de suas terras e contraofensiva às invasões e ofensivas do latifúndio.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: