Editorial semanal – Apaziguamento só amamenta o golpismo

Quando Luiz Inácio elege a política do apaziguamento para tratar com a crise militar, ele está permitindo que se restabeleçam todas as condições favoráveis para o Alto Comando militar voltar à ofensiva mais adiante.

Editorial semanal – Apaziguamento só amamenta o golpismo

Quando Luiz Inácio elege a política do apaziguamento para tratar com a crise militar, ele está permitindo que se restabeleçam todas as condições favoráveis para o Alto Comando militar voltar à ofensiva mais adiante.
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Enquanto as investigações comprovam que uma parte considerável do Alto Comando das Forças Armadas e da alta oficialidade, ainda que minoritária, se mobilizou para consumar o golpe militar, o mandatário Luiz Inácio reiterou sua orientação: não promover atos ou eventos condenatórios aos 60 anos do golpe de 64.

Para comprovar o erro dessa política do governo de turno, bastaria citar como a receberam os setores reacionários das classes dominantes. Representando a direita militar, o ultrarreacionário Hamilton Mourão não teve dúvidas: “Ele está certo, isso é passado”, disse, referindo-se ao golpe militar e ao regime militar fascista.

Já o Estadão, acostumado a criticar Luiz Inácio, se apressou a sair em sua defesa: “Lula age corretamente” ao se negar a falar do golpe de 1964 na passagem dos seus 60 anos, em consonância com “um imperativo da governabilidade num contexto de feridas à espera de cicatrização” e “também é uma forma de prestigiar o atual comando militar, também artífice da pacificação”, afirmou no editorial “A acomodação de Lula com os militares” (17 de março). Por falar em feridas, é simplesmente patético que o Estadão que já defendeu que o governo reabra a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), aquilo que Luiz Inácio se recusa a fazer, capitule fazendo coro com a cumplicidade covarde desse governo.

Apenas os ideólogos reacionários – comprometidos antes de tudo com a continuidade da exploração do povo e da Nação – e os oportunistas, de cuja mentalidade castrada por décadas de subserviência e conciliação com os inimigos das massas populares creem que o apaziguamento conduzirá à estabilização do País.

Não é verdade que recordar 1964 seja inoportuno. Os episódios da grave crise militar de 2022 e o golpe de 1964 não são feridas à espera de cicatrização: são, antes, feridas abertas, infeccionadas, e portanto não podem cicatrizar sem antes passar por dolorosa remoção dos tecidos apodrecidos. Todos os apaziguadores se esquecem que, por detrás dos “galinhas verdes” processados e condenados pelo 8 de janeiro, esteve o Alto Comando das Forças Armadas, em especial do Exército, que desde 2016 passaram a intervir diretamente na vida política nacional e nas instituições estatais, através de operações de guerra psicológica, como chantagens, ameaças e coações aos dirigentes destas. Esquecem-se que fora esse mesmo Alto Comando que, através de palestras de altos oficiais, mobilizou e incitou essa opinião pública reacionária anticomunista em seus baixos instintos e que passara a agitar a palavra de ordem de “Intervenção militar”, antes de Bolsonaro ter a relevância que passou a ter. Ignoram que, muito antes de Bolsonaro, foi o Alto Comando, através de generais da ativa – o então comandante do Exército general Villas Bôas e o ex-comandante militar do Sul general Mourão –, que colocou na ordem do dia a ruptura institucional em caso de “grave crise institucional” e “caos social” e colocaram as Forças Armadas para atuar diariamente como força política reacionária contrária às liberdades democráticas nas discussões parlamentares, judiciárias e eleitorais – o que é já uma intervenção, pois as Forças Armadas se impõem através das armas, ainda que seus tanques tenham só desfilado pela Esplanada dos Ministérios como que de passagem a treinamentos no interior de Goiás.

Ainda antes de Bolsonaro, o Alto Comando modificou o resultado das eleições (2018), ao retirar Luiz Inácio do páreo, através de chantagem durante uma votação do habeas corpus daquele candidato na Suprema Corte.

Como vemos: muito antes de Bolsonaro assumir – e independente dele – a latente ferida do golpismo voltava a se manifestar de forma aguda, inclusive porque não fora devidamente tratada desde 1988, quando o anterior apaziguamento com os gorilas e transação com o regime militar da Anistia Geral e Irrestrita, conduziu em que não houve punição, nem mudança na alta oficialidade militar, nem nos currículos de formação, tampouco na doutrina das Forças Armadas, que seguiram, todos esses anos, glorificando o golpe de 1964 como movimento legítimo e até mesmo como “revolução democrática”, e quando de seu afastamento do primeiro plano do gerenciamento do velho Estado, retomado a crença de serem as Forças Armadas como Poder Moderador e fiadoras do “Estado Democrático de Direito” – e, portanto, também fiadoras da sua restrição ou mesmo suspensão, como de modo descarado tentou fazer Bolsonaro.

Também é uma estupidez crer, como sugere o editorial do Estadão, que “o atual comando militar” seja “artífice da pacificação” e, portanto, confiável. A pacificação que esses senhores propõem se deve ao fato de que se encontram em situação de grande desmoralização, por sua identificação com todos os maus feitos do governo militar genocida de Bolsonaro do qual foram parte. Mas não faz mal recordar que o atual comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, e o ex-comandante Freire Gomes, ambos tidos como nobres figuras democráticas, se bem não concordaram com a ruptura institucional naquele momento e declararam-se publicamente, estiveram no Alto Comando durante todo esse período em que as Forças Armadas voltaram a praticar sua intervenção militar, agora através das vias institucionais. Eles, também, são irredutíveis na crença de que é papel das Forças Armadas serem moderadoras: a diferença deles para os bolsonaristas é que, para os primeiros, as Forças Armadas devem moderar no sentido de conjurar a divisão destas, o que a experiência histórica comprova que ante a iminência de tal situação, a sua coesão se assegura tomando posição pela extrema direita, ou mais ainda, se para isto tenham a ordem ou o acordo do Tio San. No caso atual, foi principalmente esta última determinante a que prevaleceu: os ianques vetaram e a ruptura não ocorreu.

Quando Luiz Inácio elege a política do apaziguamento para tratar com a crise militar, ele está permitindo que se restabeleçam todas as condições favoráveis para o Alto Comando militar voltar à ofensiva mais adiante. Quando as massas se levantarem em defesa de seus direitos, o que é inevitável, os gorilas, como Poder Moderador que se creem, novamente se erguerão ameaçando o País com a intervenção militar para salvar a Nação da “desintegração”. Por não terem sido confrontados seriamente quando estavam desmoralizados e fragilizados, os gorilas encontrarão terreno favorável para uma nova escalada golpista.

O apaziguamento com a cúpula militar só amamenta o golpismo!

Aos democratas genuínos, progressistas e revolucionários, ademais das massas populares em luta, não resta outro caminho que não o de levantar com contundência a campanha de denúncia dos 60 anos do ignominioso golpe de 1964 e do golpismo, seja na forma de ruptura institucional, seja na forma de “Poder Moderador”. Não são aceitáveis os compromissos com os fascistas e os golpistas – os quais só nos levariam ao golpe e ao fascismo.

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