No dia 12 de abril, o mandatário do País, Luiz Inácio, esteve em visita a uma unidade da JBS na capital do Mato Grosso do Sul, Campo Grande. A visita de Luiz Inácio foi marcada pelos acenos ao latifúndio: posou com o governador pró-latifúndio Eduardo Riedel (PSDB), elogiou a empresa latifundiária JBS e prometeu “carne de qualidade” para a China. Mas, para não sair totalmente queimado, prometeu comprar terras para solucionar o problema dos indígenas do estado. Os Guarani-Kaiowá do MS têm suas terras sistematicamente invadidas pelos pistoleiros do latifúndio e pelas tropas da Força Nacional, essas últimas mantidas no MS pelo próprio governo.
Durante o evento, que celebrava o primeiro envio de carne bovina daquela unidade da JBS para a China, Luiz Inácio mostrou toda sua subserviência: “Vamos mostrar o povo de Mato Grosso do Sul batendo palmas para o embaixador chinês no dia em que estamos exportando o primeiro carregamento de carne desse frigorífico para China. Daqui alguns dias vai ter muito chinês comendo a nossa carne”.
Se colocando contra a suposta “sociedade raivosa” e defendendo a “tranquilidade”, o governante aproveitou para fazer à Riedel sua proposta para solucionar os conflitos agrários envolvendo os indígenas: “Vamos nós, juntos, comprar em sociedade uma terra para salvar aqueles Guarani que vivem perto de Dourados”. O governo promete comprar terras desde os tempos de campanha, mas em 2023 nenhum metro de terra foi comprado para a reforma agrária.
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A situação dos Guarani-Kaiowá em Dourados e na região de fato é um problema explosivo. Abrangendo Dourados e Itaporã, a Reserva Indígena de Dourados (RID) é a sexta reserva mais populosa do Brasil pelo Censo do IBGE de 2022 com 13.473 habitantes em 3,5 mil hectares. Com uma densidade de 384,94 pessoas por km², a RID supera em mais de três vezes Campo Grande (111,09). Na luta contra esse confinamento, pelo menos treze retomadas (Avae’te I e II, Apyka’i, Aratikuty, Bolqueirão, Jaychapiry, Ñu Porã, Ñu Vera I e II, Ñu Vera Guasu, Pacurity, Yvy Rory Poty e Yvu Vera) foram realizadas pelos indígenas nessa região nos últimos anos e elas tem sido palco de inúmeros conflitos.
Compra de terras beneficia o latifúndio e impede demarcações
A cantilena de Luiz Inácio, embora possa soar bonita a alguns ouvidos, não passa de uma velha proposição reacionária requentada. Em 2011, por exemplo, começou a tramitar no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 71 (depois PEC 132/2015), de autoria de Paulo Bauer (PSDB-SC), que propunha a indenização da terra nua aos produtores que de “boa-fé” estiverem sobrepostos a terras indígenas (TI). Atualmente, a Constituição proíbe essa prática – com exceção de pagamento por benfeitorias realizadas na terra – uma vez que as TIs são propriedade da União.
Em 2012, o partido de Luiz Inácio encabeçou no Mato Grosso do Sul a defesa de ideia similar, a Lei nº 4.164/2012, que criou a Fundação Estadual de Terras Indígenas (Fepati). Proposta pelos deputados Laerte Tetila (PT), ex-prefeito de Dourados, e por Pedro Kemp (PT), o objetivo do fundo seria captar recursos financeiros para aquisição de terras de propriedades particulares consideradas terras indígenas e, nas palavras de Tetila, “para agilizar indenizações que geralmente demoram de 15 a 20 anos”, conforme declarou à época ao monopólio de imprensa Campo Grande News. A proposição também foi apoiada por nomes de peso da agremiação no estado, como Zeca do PT – governador entre 1999 e 2007 – e Delcídio do Amaral – Senador entre 2003 e 2016.
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Com a lei aprovada, Tetila disse que “o Fepati é um importante instrumento para o Governo Federal resolver o conflito de terra em Mato Grosso do Sul”. No entanto, em 12 anos de existência, o pretenso fundo provou-se letra morta para solucionar os problemas dos indígenas. Segundo informações do monopólio de imprensa Correio do Estado, o balanço anual do Fepati “permanecia, pelo menos até 2022, sem nenhum tipo de movimentação financeira, mantendo apenas a sua verba inicial destinada de R$ 585 mil”. Mesmo a proposta de 2015 do então governador Reinaldo Azambuja (PSDB) à ex-presidente Dilma Rousseff, do aporte mensal de R$ 80 milhões, não solucionou o problema.
Afinal, tal qual para a falida “reforma agrária”, o governo federal sempre alega falta de recursos. O abismo entre o fundo citado e a necessidade real, não obstante, é real. Segundo cálculos do Procurador da República Marco Antonio Delfino, em 2012, o montante necessário para indenizar fazendeiros hoje ocupando terras indígenas seria de R$ 1 bilhão para pagar o total de 100 mil hectares reivindicados pelos indígenas. Atualmente, segundo o advogado Gustavo Passarelli, que defende os latifundiários da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), o valor ultrapassa os R$ 7,7 bilhões em cerca de 140 mil hectares. Na prática, tal como admite a Ministra Sonia Guajajara: “Realmente tem um risco, porque vai onerar muito o orçamento da União. A gente sabe que tem um limite no orçamento público para essas questões”.
Todos juntos para indenizar o latifúndio
A proposta de Luiz Inácio e a similar de seus asseclas é tão benéfica ao latifúndio que é aplaudida por um juiz tão reacionário quanto o ministro do STF Dias Toffoli, notório defensor do “movimento de 64”. Ainda que tenha votado contra a tese do Marco Temporal, em seu parecer, o ministro chamou o Fepati de uma “iniciativa que merece ser citada”.
O próprio governador Riedel, que falou no evento pelo fim da “polarização”, também se orgulhou em dizer que já defendia essa mesma proposta de Luiz Inácio “há quase uma década”.
Ex-presidente da Famasul, ele participou das negociações que levaram à criação do Fepati. Se somam a eles outros reacionários que defenderam a PEC 71/2011, como Waldemir Moka (MDB-MS), Blairo Maggi (PR-MT) e Simone Tebet, hoje Ministra de Luiz Inácio e que esteve presente no dia 12/04 em Campo Grande.
A nível municipal, a proposta do gerente de turno coincide com a posição da “Frente Parlamentar em Defesa da Solução de Conflitos entre Indígenas e Proprietários de Terras”, criada ano passado pela Câmara de Vereadores de Dourados. Segundo o presidente desta, o vereador Rogério Yuri (PSDB): “O presidente Lula tem conhecimento do trabalho que fizemos desde setembro do ano passado, o governador Eduardo Riedel também está a par. Entre as soluções que vamos apresentar no relatório é a compra de terras. Já conversamos sobre o assunto com o coordenador da bancada federal, deputado Vander Loubet”, disse ao monopólio Campo Grande News. Desde março do ano passado, Loubet (PT) promete alocar R$ 1 bilhão para solucionar os conflitos, mas até agora nada foi feito.
As distintas matizes dos apoiadores desta proposta anti-povo deixam cada vez mais claro como funciona a coalizão reacionária que quer barrar a luta pela terra no Brasil. Enquanto alguns oportunistas querem atribuir os problemas do atual governo apenas a um nome ou outro, a um ministro ou outro, a fala de Luiz Inácio deixa bem claro que essa é a posição oficial de todo o governo. Não que já não estivesse clara, nesse um ano e quatro meses de governo, outra forma de impedir essa luta – a tendência de militarização da questão indígena – mas agora fica claro que os povos indígenas também não podem contar com o velho Estado para obterem suas terras.
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Governo não engana indígenas
Os indígenas do Mato Grosso do Sul perceberam isso e reagiram. O Kuñangue Aty Guasu (Grande Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani), por exemplo, se posicionou contrário a fala de Luiz Inácio:
“Essa proposta de compra de terras abre um precedente perigoso, que inclusive foi aberto no debate sobre o Marco Temporal no STF. Isso descaracteriza inclusive o direito originário, bem anterior à própria Constituição de 1988”. Além disso, a entidade denuncia que, embora o estado seja aquele com o maior número de retomadas, “até agora nenhuma delas foi demarcada e homologada nessa gestão”. Concluem que seria injusto pagar “por terras que foram roubadas dos povos indígenas” e que a compra de terras “é pauta do latifúndio”.