Operação e investigação contra generais e Bolsonaro dão detalhes do plano golpista em 2022

Uma operação aprovada pelo STF atingiu generais, Bolsonaro e políticos alinhados ao ex-presidente. Apesar de aparentar “combater o golpismo”, o que o STF busca é a punição àqueles que ultrapassaram o limite aceito pela direita liberal ali representada, garantindo o seu bolsão de poder.

Operação e investigação contra generais e Bolsonaro dão detalhes do plano golpista em 2022

Uma operação aprovada pelo STF atingiu generais, Bolsonaro e políticos alinhados ao ex-presidente. Apesar de aparentar “combater o golpismo”, o que o STF busca é a punição àqueles que ultrapassaram o limite aceito pela direita liberal ali representada, garantindo o seu bolsão de poder.
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A Polícia Federal realizou durante todo o dia de hoje, 8 de fevereiro, uma operação intitulada Tempus Veritatis. Ela foi realizada a partir de uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, atingindo aquilo que o STF caracterizou como “uma organização criminosa” que atuava para “a tentativa de Golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. Apesar de aparentar “combater o golpismo”, o que o STF busca é a punição àqueles que ultrapassaram o limite aceito pela direita liberal ali representada, garantindo o seu bolsão de poder.

Generais da ativa e da reserva, Jair Bolsonaro e políticos estavam entre os alvos

No total, foram executados 33 mandados de busca e apreensão, quatro de prisão e 48 medidas cautelares em nove estados, contra figuras como os generais e ex-ministros Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sergio Nogueira e o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Os ex-assessores de Bolsonaro, coronel Marcelo Costa e Filipe Martins, o major do Exército Rafael Martins de Oliveira e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, foram presos. Segundo o ministro da Defesa, José Múcio, o comando da ativa do Exército estava plenamente ciente da operação. O Exército e a Marinha afirmaram que acompanham as investigações.

Ao menos 15 dos alvos da operação eram militares. Um deles, o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, comandante do 1° Batalhão de Operações Psicológicas do Exército, desmaiou durante a execução do mandado de busca e apreensão.

A operação foi autorizada pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, que divulgou hoje, na íntegra, a decisão sobre a operação. O texto de Moraes revela uma série de informações, que vão desde mensagens trocadas entre militares reacionários, até novas informações sobre a “minuta do golpe” e a existência de um vídeo de uma reunião secreta feita no dia 5 de julho de 2022 entre Bolsonaro, Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e outras figuras de destaque, como Anderson Torres e o general Mário Fernandes. O vídeo está em posse da Polícia Federal. Na transmissão, os reacionários discutem a situação do país e as “providências” a serem tomadas, sobretudo na difusão de informações sobre a fraudulência do sistema eleitoral. 

Segundo o documento, o conjunto das provas aponta para “dois eixos” do grupo golpista: um, voltado a construir e propagar versões da extrema-direita sobre as fraudes no sistema eleitoral; o segundo, destinado a executar de fato o golpe de Estado. 

Bolsonaro: ‘Vamos esperar chegar 23, 24, pra se foder?’

Na reunião, o ex-presidente Jair Bolsonaro apresenta o cenário do País e afirma que é necessário agir com rapidez e reforçar o trabalho no intuito de comprovar que o sistema eleitoral é fraudulento. Ele chega a anunciar, em uma das falas, que se reunirá em breve com embaixadores para discutir a “fraude nas eleições” e que não se pode esperar até 2023 ou 2024 para fazer algo. 

“Nós vamos esperar chegar 23, 24, pra se foder? Depois perguntar: porquê que não tomei providência lá trás? E não é providência de força não, caralho! Não é dar tiro. ô PAULO SÉRGIO, vou botar a tropa na rua, tocar fogo aí, metralhar. Não é isso, porra!”, afirma o ex-presidente.

Exaltado, Bolsonaro exige “providências” na reunião. Foto: Reprodução

A mesma linha foi seguida por outros presentes na reunião. O general Mário Fernandes e o homólogo Augusto Heleno afirmaram sobre a necessidade de agir antes das eleições. Para Fernandes, a equipe precisava definir um prazo para o Tribunal Superior Eleitoral determinar um prazo de acompanhamento das eleições pelo Executivo, Legislativo e Judiciário e, caso não fosse definido, “uma alternativa” precisaria ser tomada. 

Além da reunião, a operação revelou informações sobre a participação do ex-presidente na minuta do golpe. De acordo com as novas informações, Bolsonaro participou diretamente na redação do documento, sugerindo alterações no conteúdo, e enviou uma mensagem ao tenente-coronel Mauro Cid depois que o documento foi encontrado na casa de Anderson Torres. 

O apontado é que Bolsonaro recebeu o documento do então assessor Filipe Martins e de Amauri Saad, advogado tido como autor do texto. Naquele momento, o conteúdo da minuta já previa a prisão de figuras como Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além da convocação de novas eleições. Depois das alterações, a prisão de Moraes foi mantida, bem como a realização de novas eleições, mas a prisão de outras figuras políticas opositoras foi retirada.

As novas revelações indicam ainda que parte do conteúdo da minuta chegou a ser executado: etapas prévias envolveram a fiscalização de Moraes e, de acordo com comparações de voos realizados por Moraes entre 14 e 31 de dezembro de 2022 e dados coletados pelo grupo do ex-presidente Bolsonaro, o monitoramento de fato ocorreu.

Em setembro do ano passado, o tenente-coronel Mauro Cid já havia revelado em uma delação premiada que Bolsonaro realizou a revisão da nota e exigiu que a parte final fosse alterada.

Heleno: ‘Se for virar a mesa, tem que ser antes das eleições’

É Jair Bolsonaro quem tem papel central nas articulações. Porém outros envolvidos, particularmente os generais do Exército, foram muito ativos na reunião. Em suas intervenções, propuseram a execução de outras operações.

Durante a reunião, ex-ministros de Bolsonaro e generais do Exército foram contundentes na defesa da tomada de providências rápidas. O general Augusto Heleno chegou a pontuar que “se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”.

Para não deixar dúvidas do que quis se referir com “virar a mesa”, Heleno destacou de forma clara a necessidade de “agir”. “Não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e determinadas pessoas”, concluiu.

Heleno propôs realizar ações antes mesmo das eleições. Foto: Reprodução

Heleno usou Abin em campanhas eleitorais

As informações recentemente divulgadas revelaram também que o general Augusto Heleno conversou com o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais de 2022. Não se sabe exatamente quais operações foram combinadas. Mas as investigações comprovam que, na reunião com Bolsonaro e generais, Heleno informou que conversou com o diretor-adjunto da Abin, Victor Felismino Carneiro, para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais. O general também alertou de antemão sobre o risco dos agentes serem identificados. O informe de Heleno no vídeo da reunião é cortado, uma vez que o Bolsonaro interrompe a fala do general e sugere que “conversem em particular” sobre as atividades da Abin.

Bolsonaro propôs conversa particular sobre uso da Abin. Foto: Reprodução

Esta revelação se dá no contexto atual em que foi denunciada o funcionamento de uma “Abin paralela” durante o governo Bolsonaro, destinada a investigar, de forma clandestina, jornalistas, professores, sindicalistas, políticos e figuras do Estado opositoras. As investigações eram feitas por meio do uso do programa espião israelense/sionista First Mile e eram repassadas ao ex-presidente. Tudo era coordenado pelo ex-diretor da agência, Alexandre Ramagem, que submetia suas operações ao gabinete comandado por Heleno. As novas revelações comprovam que as Forças Armadas dão seu aval para a utilização de sua estrutura de espionagem pela extrema-direita.

Braga Netto sobre comandante do Exército: ‘Entrega a cabeça dele’

Mensagens obtidas em celulares dos envolvidos revelaram a participação ativa do general do Exército e ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto nas articulações golpistas.

De acordo com determinadas mensagens, Netto exigia uma postura mais firme do comando do Exército nos planos golpistas. A conversa registrada mostra o general, que na época era candidato a vice-presidente, encaminhando uma mensagem a Ailton Barros, ex-militar “braço direito” de Mauro Cid.

A mensagem reencaminhada, supostamente enviada por um “Força Especial”, afirmava que “a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do Gen. FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”.

Barros responde sugerindo “continuar na pressão” e “oferecer a cabeça” de Freire Gomes caso a indecisão continuasse. Netto consente: “oferece a cabeça dele. Cagão”.

Em outras mensagens, de conteúdo similar e datadas de 15 de dezembro de 2022, Braga Netto também avança contra o brigadeiro Batista Junior. “Senta o pau no Batista Junior”, ordena ele, antes de chamá-lo de “traidor da pátria” e precisar para “elogiar o Garnier e foder o BJ”. No mesmo período, bolsonaristas divulgaram listas com “generais comunistas”. Sabe-se, com isso, que por trás destas listas estava ninguém menos que ele, Braga Netto.

Semanas antes,  logo após a derrota eleitoral de Bolsonaro, Braga Netto havia participado de diferentes reuniões de conteúdo golpista realizadas. Participaram dos encontros os comandantes das três forças, o ex-presidente e outras figuras alinhadas. Em uma delas, tanto Batista Junior quanto Freire Gomes negaram uma ruptura institucional aberta, nos moldes oferecidos pela extrema-direita, enquanto Garnier colocou suas tropas “à disposição”. 

Forças Especiais do Exército cumpriram missões em manifestações golpistas

Os recentes apontamentos revelaram também a participação de “Forças Especiais” do Exército, os chamados “kids preto” para os planos de agitação golpista. Os kids preto são especializados em operações como de combate a guerrilha, terrorismo, insurgência e operações de sabotagem, inteligência, fuga e invasões.

Segundo as investigações, os Forças Especiais deveriam ainda realizar prisões de determinadas figuras de destaque após o decreto de intervenção militar. Uma reunião ocorreu em novembro de 2022 com oficiais dos kids preto, na qual se debateu o pagamento de “hotel, alimentação e material” e “orientações” de locais para manifestações. O encontro foi realizado pelo coronel do Exército Bernardo Romão Correia Neto, então assistente do Comando Militar do Sul e “homem de confiança” de Mauro Cid.

Esses detalhes do plano foram relatados em mensagens encontradas no celular de Mauro Cid. Nas trocas de mensagem, o tenente-coronel também conversa com o major Rafael Martins de Oliveira. No dia 11 de novembro, Martins chegou a pedir a Cid “orientações” sobre os locais para manifestações e “se as Forças Armadas garantiriam a permanência das pessoas no local”. Em outras conversas, Cid e Martins debateram os gastos de R$ 100 mil para o custeio de hospedagem, alimentação e material em uma manifestação no Rio de Janeiro. 

Os kids preto são suspeitos desde o ano passado de terem sido usados na agitação golpista. Em setembro de 2023, o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes foi alvo de um mandado de busca e apreensão pela sua participação na bolsonarada do 8 de janeiro. Integrante das “forças especiais”, Ridauto chegou a ser suspeito de ter sido um dos articuladores, além de ter participado das articulações com elementos que atuaram na abertura do teto do Congresso Nacional para permitir o acesso dos bolsonaristas ao prédio.

Outros kids preto envolvidos na agitação golpista foram o coronel Élcio Franco Filho e o general Mário Fernandes. O primeiro apelou, em áudio, pela mobilização de 1,5 mil tropas das Brigadas de Operações Especiais de Goiânia para desatar o golpe. O segundo clamou por uma ruptura institucional em áudios enviados ao ex-comandante do Exército.

Outros generais

Os generais Paulo Sergio Nogueira e Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira também foram alvos da operação hoje.

Nogueira, ministro da Defesa de Bolsonaro depois da saída de Braga Netto e ex-comandante do Exército, atuou no convencimento de outros militares para a ruptura institucional. Precisamente, é apontado que Nogueira tinha a função de usar sua influência de patente “para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado”. Ele também é tido como o responsável por ter apontado, no relatório das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral, a “vulnerabilidade” das urnas.

Nogueira também participou das reuniões com Bolsonaro. Nelas, ele chegou a pontuar abertamente que “a comissão [eleitoral do TSE] é pra inglês ver”.

Já Estevam Theofilo foi o último general de quatro estrelas alvo das operações. De acordo com mensagens do celular de Cid, Oliveira foi consultado por Bolsonaro na redação do decreto de golpe e consentiu participar da ruptura desde que a ordem fosse dada por Bolsonaro. A função de Theófilo, como Comandante de Operações Terrestres do Exército, seria comandar as tropas durante o golpe. O relatório apresentado hoje aponta ainda que Oliveira buscava colocar sob seu comando as “forças especiais”.

Alvos fora da caserna

A operação atingiu ainda algumas figuras de fora da caserna, ligadas diretamente a Bolsonaro.

Foi o caso do ex-ministro da Justiça e secretário de Segurança Pública do DF no dia 8 de janeiro Anderson Torres, tido como um dos responsáveis pela “minuta do golpe”. No ano passado, o ex-ministro chegou a ser preso por quatro meses de forma preventiva.

Além de Torres, o presidente do PL, Valdemar Costa Netto, também foi alvo de mandado de busca e apreensão e acabou preso. Valdemar é apontado como “principal fiador” no esquema de difusão de informações sobre as urnas eletrônicas. No documento, é destacado também o papel de Neto em difundir a “vulnerabilidade em urnas de modelos mais antigos”.

O político foi preso por posse ilegal de arma de fogo após a operação encontrar uma arma com registro irregular, documentação vencida e em nome do filho dele na residência do presidente do partido.

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